Formou-se em Filologia Românica na Faculdade de Letras de Lisboa, e
frequentou o Conservatório Nacional de Música, onde estudou piano, canto,
harmonia e italiano. Professora de liceu, trabalhou também na Emissora
Nacional onde
dirigia teatro radiofónico. Autora de três livros de poesia e de seis peças de
teatro, todas representadas pela Companhia de Amélia Rey Colaço, Virgínia Vitorino foi agraciada
pelo Governo Português com o grau de Oficial da Ordem de
Cristo, em 1929, e com a Comenda da Ordem de
Santiago, em 1932.
Do governo espanhol recebeu a Cruz
de D. Afonso XII, em 1930. Recebeu o prémio Gil Vicente do Secretariado Nacional de Informação pela peça Camaradas.
A sua obra, Namorados (1918) foi editada catorze vezes. Teve
vasta colaboração em jornais e revistas portuguesas e brasileiras. Esteve no Brasil a convite de Getúlio
Vargas, por volta de 1937. (WIKIPÉDIA)
Quando te vi
A manhã era clara, refulgente.
Uma manhã dourada. Tu passaste.
Abriu mais uma flor em cada haste.
Teve mais brilho o sol, fez-se mais quente.
E eu inundei-me dessa luz ardente.
Depois não sei mais nada. Olhei... Olhaste...
E nunca mais te vi. . . - Raro contraste! –
A madrugada transformou-se em poente.
Luz que nasceu e apenas cintilou!
Deixou-me triste assim que se apagou,
às vezes fecho os olhos; vejo-a ainda...
E há tanto sol dourando esses trigais!
Olhaste, olhei, fugiste... Ai, nunca mais,
nunca mais tive outra manhã tão linda!
Virgínia Vitorino
1895-1967
Horas
Tem cada hora uma decifração.
As horas falam e têm gestos, côres.
Na hora da manhã - vê que esplendores! -
É diferente a sua vibração.
Repara bem na hora dos amores.
É um coração com outro coração.
Tem a hora maior palpitação.
Tem vida, movimentos e langores.
É cada hora um livro, e cada qual
da sua forma o lê: ou bem ou mal.
- Horas que vão e que não voltam mais!
Para mim há só duas. Males... bens...
É a hora dourada em que tu vens,
e a hora dolorosa em que te vais.
AMOR
O amor! O amor! Ninguém o definiu.
É sempre o mesmo. Acaba onde começa.
Quem mais o sente menos o confessa,
e quem melhor o diz nunca o sentiu.
Conhece a todos mas ninguém o viu.
Se o procuramos, foge-nos depressa.
Se o desprezamos, todo se interessa,
só está presente quando já fugiu.
É homem feito sendo criança.
E quanto mais se quer menos se alcança,
ninguém o encontra, e em toda parte mora.
Mata a quem dele vive. É sempre assim.
Só principia quando chega o fim,
morreu há muito e nasce a cada hora.
Virgínia Victorino
Certeza
O desejo maior de toda a gente
é ter um maior bem, de maior dura;
e longe, a procurá-lo, se amargura
tendo-o às vezes tão perto, e tão presente!
Deve ter sempre o coração consciente
quem se aventure a procurar ventura.
Deve sempre saber o que procura
para que não procure inutilmente.
O sonho que em mim arde e em mim se expande
há de chegar ao fim, há de ser grande!
O meu instinto é que o pressente e diz...
Sei onde vou e a parte que me cabe!
E há tanta, tanta gente que não sabe
o que lhe falta para ser feliz!
Virgínia Vitorino
1895-1967
MEDO
Ouve o grande silêncio destas horas!
Há quanto tempo não dizemos nada…
Tens no sorriso uma expressão magoada,
tens lágrimas nos olhos, e não choras!
As tuas mãos nas minhas mãos demoras
numa eloqüência muda, apaixonada…
Se o meu sombrio olhar de amargurada
procura o teu, sucumbes e descoras…
O momento mais triste de uma vida
é o momento fatal da despedida,
— Vê como o medo cresce em mim, latente…
Que assustadora, enorme sombra escura!
Eis afinal, amor, toda a tortura:
— vejo-te ainda, e já te sinto ausente!
PALAVRAS
Seja alegria, seja mágoa, ciúme
Pena de amor, ou grito de revolta
Tudo a palavra humana em si resume
Tudo arrasta suspenso á sua volta!
Palavras
Céu e inferno!
Cinza e lume!
Mistério que a nossa alma traz envolta!
Umas, consolação!
Outras, queixume…
Todas correndo como o vento á solta!
Tudo as palavras dizem
A verdade, a mentira, a crueldade…
Mas afinal, o que perturba e espanta
É o drama das que nunca foram ditas
Das palavras pequenas e infinitas
Que morrem sufocadas na garganta!”
RENÚNCIA
Fui nova, mas fui triste; só eu sei
como passou por mim a mocidade!
Cantar era o dever da minha idade…
Devia ter cantado, e não cantei!
Fui bela. Fui amada. E desprezei…
Não quiz beber o filtro da ansiedade.
Amar era o destino, a claridade…
Devia ter amado, e não amei!
Ai de mim! Nem saudades, nem desejos;
nem cinzas mortas, nem calor de beijos…
— Eu nada soube, nada quis prender!
E o que me resta? Uma amargura infinda:
ver que é, para morrer, tão cedo ainda,
e que é tão tarde já para viver!
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