O importante não é aquilo que fazem de nós, mas o que nós mesmos fazemos do que os outros fizeram de nós.
JEAN-PAUL SARTRE

segunda-feira, 31 de maio de 2010

EXCERTO DA SINFONIA Nº.3 DE MAHLER

TERCEIRA SINFONIA DE MAHLER

Excelentíssimo Senhor Director: Para lhe transmitir a inaudita impressão que a sua sinfonia me deixou tenho de lhe falar não de músico para músico, mas sim de Homem para Homem. É que eu vi a sua alma, nua, despojada. Ela surgiu à minha frente como uma paisagem, bravia, misteriosa, cheia de assustadores baixios e poços ao lado de alegres e límpidos prados ensolarados, idílicos locais de repouso. Eu vi-a como um fenómeno da Natureza, cheia de sobressaltos e desgraças, mas também com luminosos e tranquilizantes arco-íris. Senti uma luta com as ilusões; senti a dor de um desiludido. Vi o combate de forças más e boas, vi um homem cansado da extenuante luta por harmonia interior. Senti um Homem, um «drama», «verdade», «verdade» sem nenhuma concessão!

ARNOLD SCHÖNBERG (12.12.1904)


Inicialmente intitulada A GAIA CIÊNCIA e, depois, SONHO DE UMA MANHÃ DE VERÃO, a Terceira Sinfonia de Mahler, divide-se em seis andamentos, cujos subtítulos o compositor deu a conhecer: I «Pan desperta. O Verão anuncia-se»; II «O que as flores do campo me contam»; III «O que os animais do bosque me contam»; IV «O que o Homem me conta»; V «O que os anjos contam»; VI «o que o Amor me conta» e VI « O que a criança me conta».
A presença da natureza e a relação do homem com a transcendência através de uma submersão radical na natureza são elementos centrais de todas as quatro primeiras sinfonias de Mahler: na Primeira encontramos a natureza primordial, habitada por um herói que acabará por morrer; na Segunda acompanhamos o processo de resgate desse herói do mundo dos mortos para uma ressurreição poderosa; na Quarta assistimos à passagem da vida terrena para a vida celestial, cheia de anjos, santos e crianças.
A Terceira sinfonia desempenha um importante papel, definindo uma concepção estética-filosófica em patamares sucessivos do Ser, concepção fortemente influenciada pelos escritos de Schopenhauer e de Nietzche. Esta sinfonia desenha um percurso que corresponde à «arquitectura do mundo» de Schopenhauer. Por outro lado, o título provisório A Gaia Ciência, bem como o canto da Meia-Noite [Oh Homem, escuta!»] de Assim falou Zaratustra musicado no quarto andamento, apontam explicitamente para a obra de Nietzsche.
Mahler tinha uma vida muito sobrecarregada em Hamburgo, como director da Ópera, não tinha tempo para compor, para se distanciar da música lia e, Nietzsche era na altura o autor em que mergulhava. Só nas férias, passadas na pequena aldeia de Steinbach, no Tirol, Mahler compunha. Tinha mandado construir uma pequena barraca, onde tinha um pequeno piano, uma mesa e um sofá, território íntimo e inviolável. Levantava-se às cinco e meia da manhã ia para a cabana, trabalhando sete horas por dia, regressava para almoçar e depois fazia os seus passeios a pé. Esta era a rotina de férias, com duas imersões: uma no mundo da natureza, outra na interioridade criativa.


PRIMEIRO ANDAMENTO – PODEROSO-DECIDIDO
Neste andamento o compositor, pretende afirmar o poder do movimento, da marcha, da força construtiva que se opõe à rigidez da matéria «sem alma», à natureza primordial, «as forças elementares da natureza inanimadas e rígidas».


SEGUNDO ANDAMENTO – TEMPO DI MINUETTO- MUITO MODERADO

Mahler oferece uma visão serena e inocente da natureza campestre. Este andamento sugere um universo sonoro rococó, um idílio pastoril do séc. XVIII (Minuetto) visto pelos binóculos histoiricistas do Romantismo do século XIX. Como se as flores e pastores da montanha entrassem nos salões espelhados da cultura burguesa da Viena fin de siècle.
Mahler disse: Claro que não me fico pela serenidade das plantas; repentinamente tudo se põe mais sério e grave, Como se um vento tempestuoso varresse os prados e abanasse as folhas e flores das plantas, dobrando-as e quebrando-as, forçando-as a entrarem num reino mais alto.


TERCEIRO ANDAMENTO – COMODO, SCHERZANDO

Descreve a morte da Primavera e o surgimento do Verão. Aqui Mahler aproxima-se de idiomas populares, numa concepção de humor influenciado por Jean Paul: descendo aos níveis mais baixos da representação revela-se a máscara trágica da existência. O humor negro ou carnavalesco de Mahler é sempre porta de acesso aos abismos mais radicais da sua alma.

QUARTO ANDAMENTO – MUITO LENTO. MISTERIOSO

O andamento nietzscheano «Oh Homem, escuta!»

Oh Homem! Presta atenção
O que diz a profunda meia-noite?
«Eu dormia, eu dormia,
E despertei de um sonho profundo:
O mundo é profundo,
E mais profundo que o dia julga,
Profunda é a sua dor,
E a alegria…mais profunda que o sofrimento.
A dor diz: Passa!
Mas toda a alegria deseja a eternidade,
A profunda, profunda eternidade!»

Trata-se do Canto da Meia-Noite, o apelo de Zaratustra ao despertar do homem, ao abandono do «sono profundo», em que se encontra. Sobre uma sonoridade de fundo sombria, entregue às cordas graves, surge a voz desolada (O Mensch!). Ouvem-se depois trombones agudos e terceiras trompas (Gib Acht!) até que o oboé se impõe «como uma sombra da natureza».

QUINTO ANDAMENTO – NUM TEMPO DIVERTIDO E COM UMA EXPRESSÃO JOVIAL

«Bim! Bam!» Exalta a alegria e o sonho de um universo ingénuo e inocente

SEXTO ANDAMENTO – ADAGIO – LENTO-CALMO-SENTIDO

Um andamento lento de grande intensidade sonora e força expressiva. Mahler neste andamento pretende atingir as mais altas esferas do Ser – o «Amor», o amor que se confunde com a ideia de Deus. «Deus só pode ser pensado como «o amor». Neste andamento são inseridos episódios de vida, momentos mais ou menos burlescos da existência, etapas necessárias ao Ser para passar de um estado inorgânico ao mundo das esferas.

[Elementos colhidos do programa, escrito por: Paulo Pereira de Assis.]




CASA DA MÚSICA – 29.05.2010
SINFONIA Nº.3 DE MAHLER
ONP
DIRECÇÃO MUSICAL – CHRISTOPH KÖNIG
MEIO-SOPRANO – ANKE VONDUNG
CORO CASA DA MÚSICA
CORO INFANTIL DO CPO

sexta-feira, 28 de maio de 2010

O ANDAIME - FERNANDO PESSOA

(POETA - Google)

O tempo que eu hei sonhado
Quantos anos foi de vida!
Ah, quanto do meu passado
Foi só a vida mentida
De um futuro imaginado!
.
Aqui à beira do rio
Sossego sem ter razão.
Este seu correr vazio
Figura, anônimo e frio,
A vida vivida em vão.
.
A ‘sp’rança que pouco alcança!
Que desejo vale o ensejo?
E uma bola de criança
Sobre mais que minha ‘s’prança,
Rola mais que o meu desejo.
.
Ondas do rio, tão leves
Que não sois ondas sequer,
Horas, dias, anos, breves
Passam — verduras ou neves
Que o mesmo sol faz morrer.
.
Gastei tudo que não tinha.
Sou mais velho do que sou.
A ilusão, que me mantinha,
Só no palco era rainha:
Despiu-se, e o reino acabou.
.
Leve som das águas lentas,
Gulosas da margem ida,
Que lembranças sonolentas
De esperanças nevoentas!
Que sonhos o sonho e a vida!
.
Que fiz de mim? Encontrei-me
Quando estava já perdido.
Impaciente deixei-me
Como a um louco que teime
No que lhe foi desmentido.
.
Som morto das águas mansas
Que correm por ter que ser,
Leva não só lembranças — Mortas,
porque hão de morrer.
.
Sou já o morto futuro.
Só um sonho me liga a mim
— O sonho atrasado e obscuro
Do que eu devera ser — muro
Do meu deserto jardim.
.
Ondas passadas, levai-me
Para o alvido do mar!
Ao que não serei legai-me,
Que cerquei com um andaime
A casa por fabricar.
Fernando Pessoa, in "Cancioneiro"

quinta-feira, 27 de maio de 2010

MOTHER - A BUSCA PELA VERDADE

Joon-ho é um dos grandes nomes do cinema mundial actual e, certamente, só cresceu mais com este seu novo trabalho. Seu domínio visual permite que ele consiga transitar entre cenas de acção de tirar o fôlego e belíssimas sequências líricas que lembram muito o cinema clássico oriental.
Um filme grandioso, belo e incrivelmente ousado que merece ser lembrado, revisto e apreciado em toda sua complexidade e beleza.




SINOPSE
Hye-ja (Kim Hye-ja) é a mãe de Do-joon (Won Bin), um inocente rapaz que, aos 27 anos, ainda é inteiramente dependente dos cuidados dos adultos. Quando uma jovem rapariga é encontrada brutalmente assassinada num lugar abandonado, todas as pistas apontam para Do-joon que acaba por ser condenado pelo crime. Percebendo a urgência com que a polícia encerrou o caso e absolutamente convicta da inocência do filho, Hye-ja vai fazer de tudo para encontrar o verdadeiro responsável pelo homicídio. Assim começa a saga obstinada de uma mãe que, contra todas as evidências e um sistema policial pouco eficaz, não se deixará abalar pelo desespero.Uma história dramática sobre o poder do amor como força da Natureza.


Da crítica de Jorge Mourinha na Ípsilon:

O novo filme do coreano Bong Joon-ho é um extraordinário melodrama sobre a família, com uma interpretação alucinada de Kim Hye-ja. A figura da mãe é central, a sra. Yoon, é ao mesmo tempo mãe-coragem, mãe-galinha, mãe-possessiva, mãe-controleira, mãe-psicótica, mãe-resignada, mãe-determinada, mãe-enlouquecida. A sra. Yoon é todas as mães numa só, erguendo-se para defender até ao fim o seu filho, convicta para lá de toda e qualquer lógica ou razão de que Do-joon, que é deficiente mental, está inocente do assassínio de uma jovem. Mas essa convicção chega? Ou, no processo de defender Do-joon até às últimas instâncias, não estará também ela a soçobrar na loucura?
Aqui, ao cruzar o grande melodrama familiar com o filme policial de inspiração hitchcockiana, Bong repete a fusão de géneros à sombra de um olhar impiedoso sobre a sociedade coreana - uma cidade de província, onde tudo continua a ser um jogo de espelhos, onde nada é o que parece. A família é o último laço que mantém o edifício de pé. Só que, em "Mother", até esse edifício se arrisca a ruir a qualquer instante à medida que a sra. Yoon começa a fazer a sua investigação e descobre verdades desagradáveis até para si própria. A família, também já foi contaminada - e quando se procura defender os seus valores, o que é que se está realmente a defender?
Notável na sua navegação à vista por estilos, géneros, formas completamente diferentes, "Mother" poderia correr riscos, não fosse a arma secreta de Bong: Kim Hye-ja, popularíssima actriz coreana. A sua mãe, é um prodígio de modulação, capaz de ir do histerismo ao calculismo, sem nunca cair no mero exercício histriónico. É preciso uma senhora actriz para resistir imperturbável às amplitudes térmicas que o guião de "Mother" exige, sob pena de o filme se desfazer. Encontro ideal entre um cineasta e uma actriz, "Mother" torna-se num extraordinário melodrama familiar que desafia estilos, géneros, convenções e nos deixa sem fôlego quando a projecção termina.

segunda-feira, 24 de maio de 2010

CINEMA FRANCÊS-NOUVELLE VAGUE-ALGUNS FILMES DA MINHA VIDA

Antes de surgir a NOUVELLE-VAGE, já o cinema francês tinha prestígio, com o Realismo Poético, onde sobressaíram nomes como: Jean Renoir, Marcel Carné, entre outros.
Tudo começou com Jean Vigo, que filmou em 1934, O ATALANTE, filme que descreve de forma poética, as desventuras de um casal. Esta obra de Vigo pode ser considerada o «marco zero do realismo poético francês», pois representa uma nítida quebra de estética.
François Truffaut, foi um dos arautos do movimento NOUVELLE-VAGUE. Cedo teve grande apetência para o cinema, vendo todos os filmes que podia, andando pelos cineclubes, privando com pessoas também interessadas no cinema.
Quando conheceu André Bazin, esse foi o conhecimento primordial da sua vida, além da protecção que passou a ter, foi a partir daí, que se tornou crítico de cinema e fez parte da mítica revista, Cahiers du cinéma,revista sobre crítica do cinema, fundada em 1951 por André Bazin, Jacques Doniol-Valcroze e Joseph-Marie Lo Duca. União entre a originária revista intitulada Revue du Cinéma e a participação de membros dos cineclubes: Ciné-Club du Quartier Latin e Objectif 49. Nesta união, surgiram outros nomes, na equipe de edição (que era inicialmente composta por Éric Rohmer e Maurice Scherer): Jacques Rivette, Jean-Luc Godard, Claude Chabrol e François Truffaut. Estes jovens colaboradores, estavam interessados em fazer um cinema novo e assim surgiu a NOUVELLE VAGUE. O seu postulado era a "Politique des auteurs", (inspirada em Hitchcok) que defendia a produção autoral, intimista e a baixo custo. O cinema era arte e este movimento veio a influenciar outras cinematografias.
Muitos realizadores aderiram ao postulado da NOUVELLE VAGUE, tanto os que já filmavam, como os que começaram a filmar: René Clair,Robert Bresson, René Clément, Henri-Georges Clouzot, Alain Resnais, Eric Rohmer entre outros.

ALGUNS FILMES:

À BOUT DE SOUFFLE (1960), de Jean-Luc Godard

PIERROT, LE FOU (1965) de Jean-Luc Godard

MA NUIT CHEZ MAUDE (1969) Eric Rohmer

HIROSHIMA MON AMOUR (1959) Alain Resnais


LES QUATRE CENTS COUP (1959), de François Truffaut

JULES e JIM (1962), François Truffaut

domingo, 23 de maio de 2010

MIGUEL DE UNAMUNO

Que sabia eu de UNAMUNO? Pouco!...Sabia que era filósofo, gostava de Portugal e era grande amigo de Teixeira de Pascoaes, hoje andei a investigar e descobri, sem nada descobrir, que também escreveu poesia.

Filólogo, poeta, romancista e filósofo espanhol
Miguel de Unamuno
(29/9/1864, Bilbao, Espanha31/12/1936, Salamanca, Espanha)


Miguel de Unamuno desafiou os franquistas dizendo: "Vencereis, mas não convencereis".

BIOGRAFIA DE MIGUEL DE UNAMUNO : AQUI. SOBRE A SUA OBRA: http://unamuno.sites.uol.com.br/


En horas de insomnio

Me voy de aquí, no quiero más oírme;
mi voz toda voz suéname a eco,
ya falta así de confesor,
si peco se me escapa el poder arrepentirme.
.
No hallo fuera de mí en que me afirme
nada de humano y me resulto hueco;
si esta cárcel por otra al fin no trueco
en mi vacío acabaré de hundirme.
.
Oh triste soledad, la del engaño
de creerse en humana compañía
moviéndose entre espejos, ermitaño.
.
He ido muriendo hasta llegar al día
en que espejo de espejos, soy me extraño
a mí mismo y descubro no vivía.

Hay ojos que miran, hay ojos que sueñan...

Hay ojos que miran, -hay ojos que sueñan,
Hay ojos que llaman, -hay ojos que esperan,
Hay ojos que ríen -risa placentera,
hay ojos que lloran -con llanto de pena,
unos hacia adentro -otros hacia fuera.
Son como las flores -que cría la tierra.
Mas tus ojos verdes, -mi eterna Teresa,
los que están haciendo -tu mano de hierba,
me miran, me sueñan, -me llaman,
me esperan, me ríen rientes -risa placentera,
me lloran llorosos -con llanto de pena,
desde tierra adentro, -desde tierra afuera.
.
En tus ojos nazco, -tus ojos me crean,
vivo yo en tus ojos -el sol de mi esfera,
en tus ojos muero, -mi casa y vereda,
tus ojos mi tumba, -tus ojos mi tierra.
.
Dime qué dices, mar!

¡Dime qué dices, mar, qué dices, dime!
Pero no me lo digas; tus cantares son,
con el coro de tus varios mares,
una voz sola que cantando gime.
.
Ese mero gemido nos redime de la letra fatal,
y sus pesares, bajo el oleaje de nuestros azares,
el secreto secreto nos oprime.
.
La sinrazón de nuestra suerte abona,
calla la culpa y danos el castigo;
la vida al que nació no le perdona;
.
de esta enorme injusticia sé testigo,
que así mi canto con tu canto entona,
y no me digas lo que no te digo.
.
¿Qué es tu vida, alma mía?

¿Qué es tu vida, alma mía?,
¿cuál tu pago?,
¡Lluvia en el lago! ¿
Qué es tu vida,
alma mía, tu costumbre?
¡Viento en la cumbre!
.
¿Cómo tu vida, mi alma, se renueva?,
¡Sombra en la cueva!,
¡Lluvia en el lago!,
¡Viento en la cumbre!,
¡Sombra en la cueva!
.
Lágrimas es la lluvia desde el cielo,
y es el viento sollozo sin partida, pesar,
la sombra sin ningún consuelo,
y lluvia y viento y sombra hacen la vida.

sexta-feira, 21 de maio de 2010

ADAGIOS

ALBINONI


Lembro o filme «O PROCESSO» , de Orson Welles, baseado no livro do mesmo nome de Franz Kafka.

BARBER


Lembro o filme «PLATOON» de Oliver Stone.

quinta-feira, 20 de maio de 2010

SOBRE A DEMOCRACIA...

Com um universo político carregado, que me põe confusa, qual tempestade de nuvens negras e nevoeiros rasteiros, que me anexam a luz, tenho andado a ler alguma coisa sobre política à margem da real política. Sinto-me mais esclarecida? Nem por isso! Teoria é uma coisa, «praxis» é algo completamente diferente!... Ocasionalmente fui ter a Aldous Huxley.

A Corrupção é Proporcional à Democracia

Os homens são atormentados pelo pecado original dos seus instintos anti-sociais, que permanecem mais ou menos uniformes através dos tempos. A tendência para a corrupção está implantada na natureza humana desde o princípio. Alguns homens têm força suficiente para resistir a essa tendência, outros não a têm. Tem havido corrupção sob todo o sistema de governo. A corrupção sob o sistema democrático não é pior, nos casos individuais, do que a corrupção sob a autocracia. Há meramente mais, pela simples razão de que onde o governo é popular, mais gente tem oportunidade para agir corruptamente à custa do Estado do que nos países onde o governo é autocrático. Nos estados autocraticamente organizados, o espólio do governo é compartilhado entre poucos. Nos estados democráticos há muito mais pretendentes, que só podem ser satisfeitos com uma quantidade muito maior de espólio que seria necessário para satisfazer os poucos aristocratas. A experiência demonstrou que o governo democrático é geralmente muito mais dispendioso do que o governo por poucos.


Aldous Huxley, in 'Sobre a Democracia e Outros Estudos'


A Sugestibilidade Humana

Os ideais da democracia e da liberdade chocam com o facto brutal da sugestibilidade humana. Um quinto de todos os eleitores pode ser hipnotizado quase num abrir e fechar de olhos, um sétimo pode ser aliviado das suas dores mediante injecções de água, um quarto responderá de modo pronto e entusiástico à hipnopédia. A todas estas minorias demasiado dispostas a cooperar, devemos adicionar as maiorias de reacções menos rápidas, cuja sugestibilidade mais moderada pode ser explorada por não importa que manipulador ciente do seu ofício, pronto a consagrar a isso o tempo e os esforços necessários.
É a liberdade individual compatível com um alto grau de sugestibilidade individual? Podem as instituições democráticas sobreviver à subversão exercida do interior por especialistas hábeis na ciência e na arte de explorar a sugestibilidade dos indivíduos e da multidão? Até que ponto pode ser neutralizada pela educação, para bem do próprio indivíduo ou para bem de uma sociedade democrática, a tendência inata a ser demasiado sugestionável? Até que ponto pode ser controlada pela lei a exploração da sugestibilidade extrema, por parte de homens de negócios e de eclesiásticos, por políticos no e fora do poder?


Aldous Huxley, in 'Regresso ao Admirável Mundo Novo'

Li há anos um livro de Aldous Huxley, ADMIRÁVEL MUNDO NOVO, mas como não tinha ideia nenhuma sobre esse livro, fui à internet ver do que se tratava:

Admirável Mundo Novo é uma fábula futurista escrita em 1932, que narra um hipotético futuro onde as pessoas são pré-condicionadas biologicamente e condicionadas psicologicamente a viverem em harmonia com as leis e regras sociais, dentro de uma sociedade organizada por castas. A sociedade desse "futuro" criado por Huxley não possui a ética religiosa e valores morais que regem a sociedade actual. Qualquer dúvida e insegurança dos cidadãos era dissipada com o consumo da droga sem efeitos colaterais chamada "soma". As crianças têm educação sexual desde os mais tenros anos da vida. O conceito de família não existe.

Estranho!?...Condicionalismo biológico, condicionalismo psicológico, castas, sem valores morais, drogas, crianças, família...não chegamos a tanto e no entanto há aspectos, que lembram isto e aquilo...numa síntese geral não passaríamos de marionetas!...

sexta-feira, 14 de maio de 2010

quinta-feira, 13 de maio de 2010

CINEMA ALEMÃO - WIN WENDERS - FILMES DA MINHA VIDA

ASAS DE DESEJO

O ESTADA DAS COISAS

PARIS-TEXAS

O AMIGO AMERICANO

terça-feira, 11 de maio de 2010

SOBRE GÜNTER GRASS (1927)

Günter Wilhelm Grass estudou em Dantzig e, aos 17 anos, aderiu à juventude nazista, através da Waffen-SS. Ferido na guerra (1945), foi preso em Marienbad, então Checoslováquia, e libertado no ano seguinte. Trabalhou em minas e como aprendiz de pedreiro. Estudou desenho e escultura na Academia de Arte de Düsseldorf e na Academia de Artes de Berlim.
Já escrevia poemas, lidos para um grupo de escritores influentes, o grupo 47, mas só depois de mudar para Paris, passou a dedicar-se à literatura. Ao romance de crítica social "Die Blechtrommel" (O TAMBOR), seguiram-se "Katz und Maus" e "Hundejahre".
De ideais políticos de esquerda, participou de forma activa na vida pública do seu país e provocou polémica, renovou a literatura alemã do pós-guerra por meio de textos de irónicos e grotescos, especialmente satirizando a complacente atmosfera do milagre económico da reconstrução pós-nazista. Em 1999 o Nobel de Literatura.
Com uma obra que contesta, desde o início, as ideias nazis que o atraíram na juventude, hoje é considerado o porta-voz literário da geração alemã que cresceu durante o nazismo, e descreve-se a si mesmo como um Spätaufklärer, um devoto da iluminação, numa era cansada da razão.


Quando publicou DESCASCANDO A CEBOLA, livro autobiográfico, o mesmo produziu um choque, com a declaração do escritor Günter Grass, da sua participação como membro da Waffen -SS (tropa de elite do exército do Reich). Esta revelação provocou muita polémica entre escritores e jornalistas. Os argumentos dividiram-se basicamente em dois, de um lado estavam os que declaravam que isso não invalidava o valor dos seus romances, além de considerarem a pouquíssima idade de Grass quando actuou na Waffen . Do outro, questionaram a demora de Günter em revelar esta participação. Numa entrevista concedida a Der Spiegel, Grass comenta a repercussão que sua actuação na tropa nazista teve e explica-se. Ao ser indagado quanto a demora para a revelação, o escritor alemão declarou: Acreditava que minha obra como escritor e cidadão era suficiente. O entrevistador do Der Spiegel, fez uma relação com um trecho do livro autobiográfico, DESCASCANDO A CEBOLA e o romance O TAMBOR, buscando no romance um sentimento já revelador desta culpa de actos passados e a sua justificação pela pouca idade: No instante em que invoco o garoto de treze anos que eu era na época, em que me sinto tentado a julga-lo, ele me escapa. Ele não quer ser avaliado ou julgado. Foge para o colo da mãe e diz: «Eu era apenas um garoto, apenas um garoto. (DESCASCANDO A CEBOLA).
«Não sou responsável pelas coisas que fiz quando criança.» (Personagem Oskar em O TAMBOR). Num outro romance ainda podemos verificar o aparecimento de um possível traço autobiográfico e a sua relação com este sentimento de culpa, trata-se de MAUS PRESSÁGIOS. Alexandre e Alexandra, os protagonistas revelam: Não era necessário remexer no passado, porque as poucas aventuras à margem traziam lembranças inexactas ou mal ordenadas. E o facto de que ele, aos 14 anos, fosse soldado e aos dezassete, membro entusiasta da organização da juventude, era perdoado aos dois, mutuamente, como defeitos congénitos da sua geração; não era preciso descer a nenhum abismo; até porque ele, nos momentos em que duvidava de si próprio, dizia que tinha de lutar continuamente contra o jovem hitlerista que tinha dentro de si… Estaria Grass, ao longo de todos os seus romances, já dando pistas da sua vida passada? Seriam todos os seus romances um desabafo particular?

segunda-feira, 10 de maio de 2010

O TAMBOR DE Volker Schlöndorff, baseado no livro homónimo de Günter Glass




O filme é baseado num romance de Günter Grass,que narra a ascensão do nazismo. Internado num manicómio, Oskar relembra a sua vida desde os três anos, quando decidiu parar de crescer por ódio aos pais e ao mundo adulto. Este romance teve um impacto, que ultrapassou as fronteiras do espaço da língua alemã e representa um marco significativo da literatura mundial. Suscitou muitas más críticas e protestos contra as cenas «libertinas», considerando-o mesmo pornográfico. Grass incorporou o demoníaco no seu romance, sobre a época do nazismo e dissecou os pequenos-burgueses, pretensamente indefesos, mas coniventes com o regime, traçando seus destinos com a história mundial em diversos pequenos episódios. Do ponto de vista da história da literatura, o estilo expressionista experimental de O Tambor, «o desfile de carnaval narrativo», influenciou gerações de autores. Já o próprio Grass reconheceria como modelo, escritores como Alfred Döblin.

DO MESMO REALIZADOR FILMES QUE RECORDO:

1969 – Michael Kohlhaas. Der Rebell – da novela homónima de Heinrich von Kleist
1975 – Die verlorene Ehre der Katharina Blum – baseado na obra homónima de Heinrich Böll

Volker Schlöndorff, fez parte do Novo Cinema Alemão, nome dado à produção cinematográfica da Alemanha, nas décadas de 1960, 1970 e 1980.Principais representantes além de Schlöndorff, Rainer Werner Fassbinder, Werner Herzog, Wim Wenders e Margarethe Von Trotta.
Movimento que surgiu, depois do poderoso cinema expressionista alemão, de: Fritz Lang, Willelm F. Murnau e Joseph von Sternberg (1917- 1933), após a I Guerra Mundial. Durante a II Guerra Mundial, Leni Riefenstahl,foi a directora mais prestigiada no cinema do regime nazista, que motivou a emigração de vários realizadores para os EUA: Lang, Billy Wilder, Preminger.

sexta-feira, 7 de maio de 2010

SE...


SE

Se podes conservar o teu bom senso e a calma
No mundo a delirar para quem o louco és tu…
Se podes crer em ti com toda a força de alma
Quando ninguém te crê…Se vais faminto e nu,
.
Trilhando sem revolta um rumo solitário…
Se à torva intolerância, à negra incompreensão,
Tu podes responder subindo o teu calvário
Com lágrimas de amor e bênçãos de perdão…
.
Se podes dizer bem de quem te calunia…
Se dás ternura em troca aos que te dão rancor
(Mas sem a afectação de um santo que oficia
Nem pretensões de sábio a dar lições de amor)…
.
Se podes esperar sem fatigar a esperança…
Sonhar, mas conservar-te acima do teu sonho…
Fazer do pensamento um arco de aliança,
Entre o clarão do inferno e a luz do céu risonho…
.
Se podes encarar com indiferença igual
O triunfo e a derrota, eternos impostores…
Se podes ver o bem oculto em todo o mal
E resignar sorrindo o amor dos teus amores…
.
Se podes resistir à raiva e à vergonha
De ver envenenar as frases que disseste
E que um velhaco emprega eivadas de peçonha
Com falsas intenções que tu jamais lhes deste…
.
Se podes ver por terra as obras que fizeste,
Vaiadas por malsins, desorientando o povo,
E sem dizeres palavra, e sem um termo agreste,
Voltares ao princípio a construir de novo…
.
Se puderes obrigar o coração e os músculos
A renovar um esforço há muito vacilante,
Quando no teu corpo, já afogado em crepúsculos,
Só exista a vontade a comandar avante…
.
Se vivendo entre o povo és virtuoso e nobre…
Se vivendo entre os reis, conservas a humildade…
Se inimigo ou amigo, o poderoso e o pobre
São iguais para ti à luz da eternidade…
.
Se quem conta contigo encontra mais que a conta…
Se podes empregar os sessenta segundos
Do minuto que passa em obra de tal monta
Que o minute se espraie em séculos fecundos…
.
Então, á ser sublime, o mundo inteiro é teu!
Já dominaste os reis, os tempos, os espaços!…
Mas, ainda para além, um novo sol rompeu,
Abrindo o infinito ao rumo dos teus passos.
.
Pairando numa esfera acima deste plano,
.Sem receares jamais que os erros te retomem,
Quando já nada houver em ti que seja humano,
Alegra-te, meu filho, então serás um homem!…
.
(RUDYARD KIPLING
- tradução de Féliz Bermudes)

quinta-feira, 6 de maio de 2010

quarta-feira, 5 de maio de 2010

RAUL LEAL (1886-1964)

Escritor português, nascido em Lisboa. Formado em Direito em 1909, exerceu a advocacia até 1913, exilando-se no ano seguinte em França por motivos políticos. Como um dos membros do grupo de Orpheu, foi um dos introdutores do futurismo em Portugal. De tendências místicas, abraçou diversas correntes políticas e filosóficas utópicas. Foi autor de manifestos e cultor do ocultismo. Publicou Atelier (1915 - novela), Antéchrist et la Gloire du Saint-Esprit (1920 - poesia) e os ensaios A Liberdade Transcendente (1913), A «Apassionata» de Beethoven e Viana da Motta (1909), Sodoma Divinizada (1923) e Sindicalismo Personalista: Plano para a Salvação do Mundo (1960), entre outras obras. Escritor «maldito», viu o seu livro Sodoma Divinizada aprendido e queimado. Ele próprio foi vítima de um ostracismo até hoje. Para conhecimento da sua obra, andei a pesquisar na net, algumas vagas referências e nada de fotografias ou poesia. Foi um grande amigo de Fernando Pessoa.


Álvaro de Campos/Pessoa não podia ficar calado e de imediato desceu à praça pública com um "Aviso por Causa da Moral", em defesa do seu amigo Raul Leal, dizia com desvanecedora lógica e uma fina inteligência crítica: "Há três cousas com que um espírito nobre, de velho ou de jovem, nunca brinca, porque o brincar com eles é um dos sinais distintivos da baixeza da alma: são elas os deuses, a morte e a loucura. Se, porém, o autor do manifesto o escreveu a sério, ou crê louco o doutor Raul Leal, ou não crendo, usa o parecer crê-lo para o conspurcar. Só a última canalha das ruas insulta um louco, e em público. Só qualquer canalha abaixo dessa imita esse insulto, sabendo que mente". .../...
…/… "Ser novo é não ser velho. Ser velho é ter opiniões. Ser novo é não querer saber de opiniões para nada. Ser novo é deixar os outros ir em paz para o diabo com as opiniões que têm, boas ou más - boas ou más, que a gente nunca sabe com quais é que vai para o diabo". E, logo em seguida, Campos concluía assim o seu aviso público: "Mas, quanto ao resto, calem-se o mais silenciosamente possível. Porque só há duas maneiras de se ter razão. Uma é calar-se, que é a que convém aos novos. A outra é contradizer-se, mas só alguém de mais idade a pode cometer. Tudo o mais é uma maçada para quem está presente por acaso. E a sociedade em que nascemos é o lugar onde mais por acaso estamos presentes". .../...
Pessoa concluía deste modo a sua intervenção: "Aos estudantes de Lisboa não desejo mais - porque não posso desejar melhor - de que um dia possam ter uma vida tão digna, uma alma tão alta e nobre como as do homem que tão nesciamente insultaram. A Raul Leal, não podendo prestar-lhe, nesta hora da plebe, melhor homenagem, presto-lhe esta, simples e clara, não só da minha amizade, que não tem limites, mas também da minha admiração pelo seu alto génio especulativo e metafísico, lustre que será da nossa grande raça. Nem creio que em minha vida, como quer que decorra, maior honra me possa caber que a presente, que é a de tê-lo por companheiro nesta aventura cultural em que coincidimos, diferentes e sozinhos, sob o chasco e o insulto da canalha»

Em 1935, quando o fascismo se consolidava Pessoa escreveu uma carta a Carmona, que não chegou a enviar, onde dizia, "que até aqui a Ditadura não tinha tido o impudor de renegando toda a verdadeira política do espírito - isto é, o de pôr o espírito acima da política - vir intimar quem pensa a que pense pela cabeça do Estado, que a não tem, ou de vir intimar a quem trabalha a que trabalhe livremente como lhe mandam".

As pesquisas que tenham feito na Internet, fazem bastante referência a esta situação (a que já fiz referência aqui no blogue), mas relativamente à obra de Raul Leal não encontrei nada.
LIVROS: Orpheu (Edição Facsimilada), Contexto, 1989 [Apenas o conto Atelier); MONTEIRO, Adolfo Casais, A Poesia da Presença, Moraes-Editores, 1972 [nada de nada]
O RAUL LEAL ERA
O Raul Leal era
O único verdadeiro doido do "Orpheu".
Ninguém lhe invejasse aquela luxúria de fera?
Invejava-a eu.
Três fortunas gastou, outras três deu
Ao que da vida não se espera
E à que na morte recebeu.
O Raul Leal era
O único não-heterónimo meu.
Eu nos Jerónimos ele na vala comum
Que lhe vestiu o nome e o disfarce
(Dizem que está em Benfica)
ambos somos um
Dos extremos do mal a continuar-se.
Não deixou versos?
Deixei-os eu,
Infelizmente,
a quem mos deu.
O Almada?
O Santa-Ritta?
O Amadeo?
Tretas da arte e da era.
O Raul era Orpheu.
Mário Cesariny

terça-feira, 4 de maio de 2010

segunda-feira, 3 de maio de 2010

POETA ALDA LARA

MÃE-NEGRA

Prelúdio Pela estrada desce a noite
Mãe-Negra, desce com ela ...
Nem buganvílias vermelhas,
nem vestidinhos de folhos,
nem brincadeiras de guisos,
nas suas mãos apertadas.
Só duas lágrimas grossas,
em duas faces cansadas.
Mãe-Negra tem voz de vento,
voz de silêncio batendo
nas folhas do cajueiro ...
Tem voz de noite, descendo,
de mansinho, pela estrada ...
Que é feito desses meninos
que gostava de embalar? ...
Que é feito desses meninos
que ela ajudou a criar? ...
Quem ouve agora as histórias
que costumava contar? ...
Mãe-Negra não sabe nada ...
Mas ai de quem sabe tudo,
como eu sei tudo Mãe-Negra! ...
Os teus meninos cresceram,
e esqueceram as histórias
que costumavas contar ...
Muitos partiram p'ra longe,
quem sabe se hão-de voltar! ...
Só tu ficaste esperando,
mãos cruzadas no regaço,
bem quieta bem calada.
É a tua a voz deste vento,
desta saudade descendo,
de mansinho pela estrada. (Alda Lara, 1951)
Desafiada, para escrever sobre a NEGRITUDE, lembrei-me deste poema e depois suscitou-me interesse em saber de quem era e em pesquisa na Net, conheci ALDA LARA, uma poetisa angolana.


Alda Ferreira Pires Barreto de Lara Albuquerque. Benguela, Angola, 9.6.1930 - Cambambe, Angola, 30.1.1962). Era casada com o escritor Orlando Albuquerque. Muito nova veio para Lisboa onde concluiu o 7º ano do Liceu. Frequentou as Faculdades de Medicina de Lisboa e Coimbra, licenciando-se por esta última. Em Lisboa esteve ligada a algumas das actividades da Casa dos Estudantes do Império. Declamadora, chamou a atenção para os poetas africanos. Depois da sua morte, a Câmara Municipal de Sá da Bandeira instituiu o Prémio Alda Lara para poesia. Orlando Albuquerque propôs-se editar-lhe postumamente toda a obra e nesse caminho reuniu e publicou um volume de poesias e um caderno de contos. Colaborou em alguns jornais ou revistas, incluindo a Mensagem (CEI).
Obra poética:
Poemas, 1966, Sá de Bandeira, Publicações Embondeiro;
Poesia, 1979, Luanda, União dos Escritores Angolanos;
Poemas, 1984, Porto, Vertente Lda. (poemas completos).

POESIA

PRESENÇA AFRICANA


E apesar de tudo,
ainda sou a mesma!
Livre e esguia,
filha eterna de quanta rebeldia
me sagrou.
Mãe-África!
Mãe forte da floresta e do deserto,
ainda sou,
a irmã-mulher
de tudo o que em ti vibra
puro e incerto!...

- A dos coqueiros,
de cabeleiras verdes
e corpos arrojados
sobre o azul...
A do desdém
nascendo dos abraços
das palmeiras...
A do sol bom,
mordendo
o chão das Ingombotas...
A das acácias rubras,
salpicando de sangue as avenidas,
longas e floridas...

Sim!, ainda sou a mesma.
- A do amor transbordando
pelos carregadores do cais
suados e confusos,
pelos bairros imundos e dormentes
(Rua 11...Rua 11...)
pelos negros meninos
de barriga inchada
e olhos fundos...

Sem dores nem alegrias,
de tronco nu e musculoso,
a raça escreve a prumo,
a força destes dias...

E eu revendo ainda
e sempre, nela,
aquela
longa historia inconsequente...

Terra!
Minha, eternamente...
Terra das acácias,
dos dongos,
dos cólios baloiçando,
mansamente... mansamente!...
Terra!
Ainda sou a mesma!
Ainda sou
a que num canto novo,
pura e livre,
me levanto,
ao aceno do teu Povo!...
ANÚNCIO
Trago os olhos naufragados
em poentes cor de sangue...

Trago os braços embrulhados
numa palma bela e dura
e nos lábios a secura
dos anseios retalhados...

Enrolada nos quadris
cobras mansas que não mordem
tecem serenos abraços...
E nas mãos, presas com fitas
azagaias de brinquedo
vão-se fazendo em pedaços...

Só nos olhos naufragados
estes poentes de sangue...

Só na carne rija e quente,
este desejo de vida!...

Donde venho, ninguém sabe
e nem eu sei...

Para onde vou
diz a lei
tatuada no meu corpo...

E quando os pés abram sendas
e os braços se risquem cruzes,
quando nos olhos parados
que trazem naufragados
se entornarem novas luzes...

Ah! Quem souber,
há-de ver
que eu trago a lei
no meu corpo...

RONDA

Na dança dos dias
meus dedos bailaram...
Na dança dos dias
meus dedos contaram
contaram, bailando
cantigas sombrias...

Na dança dos dias
meus dedos cansaram...

Na dança dos meses
meus olhos choraram
Na dança dos meses
meus olhos secaram
secaram, chorando
por ti, quantas vezes!

Na dança dos meses
meus olhos cansaram...

Na dança do tempo,
quem não se cansou?!

Oh! dança dos dias
oh! dança dos meses
oh! dança do tempo
no tempo voando...

Dizei-me, dizei-me,
até quando? até quando?

POEMAS QUE EU ESCREVI NA AREIA
I

Meu bergantim, onde vens,
que te não posso avistar?
Bergantim! Meu bergantim!
Quero partir, rumo ao mar...

Tenho pressa! Tenho pressa!
Já vejo abutres voando
além, por cima de mim...
Tenho medo... Tenho medo
de não me chegar ao fim.

Meus braços estão torcidos.
Minha boca foi rasgada.
Mas os olhos, estão bem vivos,
e esperam, presos ao Céu...

Que haverá p'ra além da noite?
p'ra além da noite de breu?

Ah! Bergantim, como tardas...
Não vês meu corpo jazendo
na praia, do mar esquecido?...
Esse mar que eu quis viver,
e sacudir e beijar,
sem ondas mansas, cobrindo-o...

Quem dera viesses já...
que vai ficando bem tarde!
E eu não me quero acabar,
sem ver o que há para além
deste grande, imenso céu
e desta noite de breu...

Não quero morrer serena
em cada hora que passa
sem conseguir avistar-te...
Com meu olhar enxergando
apenas a noite escura,
e as aves negras, voando...

II
Meu bergantim foi-se ao mar...
Foi-se ao mar e não voltou,
que numa praia distante,
meu bergantim se afundou...

Meu bergantim foi-se ao mar!
levava beijos nas velas,
e nas arcas, ilusões,
que só a mim me ofereci...

Levava à popa, esculpido,
o perfil, leve e discreto,
daqueles que um dia perdi.

Levava mastros pintados,
bandeiras de todo o mundo,
e soldadinhos de chumbo
na coberta, perfilados.

Foi-se ao mar meu bergantim,
Foi-se ao mar... nunca voltou!

.........................

E por sete luas cheias
No areal se chorou...
CONSULTA: http://betogomes.sites.uol.com.br/AldaLara.htm

sábado, 1 de maio de 2010

SEXTA DE MAHLER (GRANDES EMOÇÕES)



Esta sinfonia vai suscitar muitos enigmas que só uma geração que tenha compreendido e digerido as minhas primeiras cinco sinfonias pode vir a entenderGUSTAV MAHLER

A SEXTA SINFONIA de Mahler expressa a luta do Homem contra a matéria, a tentativa de afirmar a capacidade individual da vontade humana, contra a violenta inevitabilidade do destino. No fim vence a resignação, a força do destino e a solidão fundamental do indivíduo singular – mas trata-se de uma vitória de Pirro para a matéria: através da derrota, o Homem supera-se a si mesmo, alcançando esferas existenciais mais elevadas. A solidão, a ânsia por um inalcançável Olimpo e a pesada derrota corporal são representadas simbolicamente por três instrumentos de percussão, cujo uso dentro de uma obra sinfónica é pioneiro: os chocalhos de vaca (cowbells) simbolizando a solidão humana radical, a celesta sugerindo um Olimpo almejado, e o martelo (como um golpe seco de machado) representando a derrota física e psíquica completa.
Esta obra é dramática, existencialmente negativista e essencialmente trágica. As luminosas caminhadas solitárias, na alta montanha dos Alpes austríacos (com a companhia apenas de chocalhos de vacas), conduzem Mahler à profundidade tenebrosa da sua psique (onde os violentos golpes de martelo repercutiam intensamente).
A SEXTA revela uma mente ao mesmo tempo perturbada e visionária, confiante e aterrada, desejosa de viver mais, contemplando a morte olhos nos olhos.


PRIMEIRO ANDAMENTO – allegro, enérgico, ma non troppo

É como uma marcha imparável e impiedosa, de fôlego ininterrupto e carácter vincado. O segundo tema do primeiro andamento é conhecido como o «Tema de Alma», dedicado à mulher, como também lhe foi dedicada parte da QUINTA. Acaba com uma fanfarra de júbilo: o Homem está ainda firme no mundo, mesmo se já teve uma visão da sua radical solidão.


SEGUNDO ANDAMENTO – Scherzo, Wuchig/Trio, Alväterisch, grazioso

Mahler dedica-se a uma das suas especialidades, criar distâncias incómodas entre o que a música «promete» e aquilo que de facto oferece. Este andamento consiste num jogo alternado de danças, compassos e métricas: uma sequência de caricaturas de Ländlers e Minuetos, ou simplesmente uma brincadeira de crianças endiabradas, intercaladas por dois trios serenos e tranquilos.

TERCEIRO ANDAMENTO: Andante Moderato

Oscila entre um lirismo exacerbado de cariz «pós-schubertiano», passagens quase Berceuse, erupções apaixonadas e subtis confidências poéticas. Parece sugerir uma reflexão sobre o universo feminino que rodeava Mahler (a mulher, Alma, duas filhas e a irmã do compositor).

QUARTO ANDAMENTO: Finalle: Allegro moderato/ allegro enérgico

Chegamos à catarsis, um dos movimentos mais dramáticos de toda a música Ocidental, que vai desenvolver um sentido de catástrofe contínua, irreversível e conclusiva.
Na luminosa observação de Erwin Ratz, o «fim», a «morte», a derrota sem apelo do herói, adquire aqui um novo sentido: o Homem cumpriu a sua missão. Mesmo que tenha aparentemente perdido, que tenha sido lançado no mais fundo dos abismos, a sua individualidade alcançou esferas mais elevadas. Deste modo a morte não é um fim, os golpes violentos do martelo aniquilam o elemento físico e psicológico, mas é através dessa destruição que se alcançam novos, infinitos e impalpáveis universos.


[Informações colhidas: programa da Casa da Música (Paulo Pereira de Assis)]


ORQUESTRA NACIONAL DO PORTO regida por TAKUO YUASA.
CASA DA MÚSICA - 30.04.2010