O importante não é aquilo que fazem de nós, mas o que nós mesmos fazemos do que os outros fizeram de nós.
JEAN-PAUL SARTRE

quinta-feira, 31 de maio de 2012

REFLEXÃO-MISHIMA


«Naquele momento, teria sentido uma alegria muito enganadora ao pensar que o meu desejo, a satisfação do meu desejo forneceria uma prova evidente da minha impossibilidade de sentir o amor. Mas a carne traiu-me: aquilo que o meu espírito queria, o meu corpo fê-lo no seu lugar. Achei-me desta maneira perante uma nova contradição. Falando um pouco vulgarmente, diria que, convencido de nunca vir a ser amado, limitara-me a sonhar acerca do amor; e que, finalmente substituíra o amor pelo desejo, facto que me trouxera a paz. Mas subitamente descobri que o próprio desejo exigia de mim o esquecimento das minhas condições de vida, o afastamento da única barreira entre o amor e eu: a certeza de nunca vir a ser amado. Julgara o desejo uma coisa muito mais límpida do que é na verdade, não suspeitara minimamente de que ele nos obrigava, por muito pouco que fosse, a ver-nos sob uma luz de sonho.»

Excerto de "O Templo Dourado", de Yukio Mishima, 
Tradução de Filipe Jarro, 
Edição: Assírio e Alvim, 1985 

quinta-feira, 24 de maio de 2012

Imagem google
 Aqui eu te amo e em vão te oculta o horizonte.
Estou a amar-te ainda entre estas frias coisas.
As vezes vão meus beijos nesses barcos solenes,
que correm pelo mar rumo a onde não chegam.

 poema "Aqui eu te amo"

  "La verdad es que no hay verdad.»
 [A verdade é que não há verdade.]
- Obras completas: De "Arte de pájaros" a "El mar y las campanas," 1966-1973, Pablo Neruda

segunda-feira, 21 de maio de 2012

MAURICE RAVEL, «A Hora Espanhola»


MAURICE RAVEL, «A Hora Espanhola, deliciosa comedia picante em um acto, mal recebida na época por excesso de ousadia.
Ravel foi um mestre absoluto do impressionismo musical francês e a sua música uma extraordinária sucessão de coloridos sonoros, que não obedeciam às regras da harmonia tonal tradicional. Uma desobediência que foi mal recebida na época.
Apesar de tudo, Ravel conseguiu fazer uma ponte entre tradição e inovação.
Foi também um extraordinário orquestrador que trabalhava os coloridos orquestrais e os jogos de timbre de um modo único. O exemplo mais expressivo é o Bolero, em que a mesma melodia é repetida dezenas de vezes e que não é enfadonho pela constante surpresa da orquestração, conseguindo tirar um efeito mágico. Outra característica desta obra é a variedade de influências e de referências estilísticas e culturais que se fundem nesta obra singular. Ravel apreciava as atmosferas musicais exóticas: espanholas, africanas, árabes, japonesas e a música afro-americana que deu origem ao blues.
A sua influência espanhola vem da mãe que era basca e em França havia tradicionalmente um grande fascínio por Espanha, misto de fanatismo religioso com a sensualidade, no ritmo das danças bem marcadas e o rubro dos elementos de barbárie, touradas e duelos.

TORRE DE BABEL




Sobre a Torre de Babel Gênesis 11:1-9:

1 Em toda a Terra, havia somente uma língua, e empregavam-se as mesmas palavras.
2 Emigrando do Oriente, os homens encontraram uma planície na terra de Sinar e nela se fixaram.
3 Disseram uns para os outros: «Vamos fazer tijolos, e cozamo-los ao fogo.» Utilizaram o tijolo em vez da pedra, e o betume serviu-lhes de argamassa.
4 Depois disseram: «Vamos construir uma cidade e uma torre, cujo cimo atinja os céus. Assim, havemos de tornar-nos famosos para evitar que nos dispersemos por toda a superfície da terra.»
5 O SENHOR, porém, desceu, a fim de ver a cidade e a torre que os homens estavam a edificar.
6 E o SENHOR disse: «Eles constituem apenas um povo e falam uma única língua. Se principiaram desta maneira, coisa nenhuma os impedirá, de futuro, de realizarem todos os seus projectos.
7 Vamos, pois, descer e confundir de tal modo a linguagem deles que não consigam compreender-se uns aos outros.»
8 E o SENHOR dispersou-os dali por toda a superfície da Terra, e suspenderam a construção da cidade.
9 
Por isso, lhe foi dado o nome de Babel, visto ter sido lá que Deus confundiu a linguagem de todos os habitantes da Terra, e foi também dali que os dispersou por toda a Terra.

imagem:google

Paradoxo de Epicuro

Para Deus e o Mal continuarem existindo ao mesmo tempo é necessário que Deus não tenha uma das três características:
  • Se for omnipotente e omnisciente, então tem conhecimento de todo o Mal e poder para acabar com ele, ainda assim não o faz. Então Ele não é Bom.
  • Se for omnipotente e benevolente, então tem poder para extinguir o Mal e quer fazê-lo, pois é Bom. Mas não o faz, pois não sabe o quanto Mal existe e onde o Mal está. Então Ele não é omnisciente.
  • Se for omnisciente e benevolente, então sabe de todo o Mal que existe e quer mudá-lo. Mas isso elimina a possibilidade de ser omnipotente, pois se o fosse erradicava o Mal. E se Ele não pode erradicar o Mal, então por que chamá-lo de Deus?



sexta-feira, 18 de maio de 2012

UM APÓLOGO (A agulha e a linha - Machado de Assis)


Era uma vez uma agulha, que disse a um novelo de linha:
— Por que está você com esse ar, toda cheia de si, toda enrolada, para fingir que vale alguma cousa neste mundo?
— Deixe-me, senhora.
— Que a deixe? Que a deixe, por quê? Porque lhe digo que está com um ar insuportável? Repito que sim, e falarei sempre que me der na cabeça.
— Que cabeça, senhora? A senhora não é alfinete, é agulha. Agulha não tem cabeça. Que lhe importa o meu ar? Cada qual tem o ar que Deus lhe deu. Importe-se com a sua vida e deixe a dos outros.
— Mas você é orgulhosa.
— Decerto que sou.
— Mas por quê?
— É boa! Porque coso. Então os vestidos e enfeites de nossa ama, quem é que os cose, senão eu?
— Você? Esta agora é melhor. Você é que os cose? Você ignora que quem os cose sou eu e muito eu?
— Você fura o pano, nada mais; eu é que coso, prendo um pedaço ao outro, dou feição aos babados...
— Sim, mas que vale isso? Eu é que furo o pano, vou adiante, puxando por você, que vem atrás obedecendo ao que eu faço e mando...
— Também os batedores vão adiante do imperador.
— Você é imperador?
— Não digo isso. Mas a verdade é que você faz um papel subalterno, indo adiante; vai só mostrando o caminho, vai fazendo o trabalho obscuro e ínfimo. Eu é que prendo, ligo, ajunto...
Estavam nisto, quando a costureira chegou à casa da baronesa. Não sei se disse que isto se passava em casa de uma baronesa, que tinha a modista ao pé de si, para não andar atrás dela. Chegou a costureira, pegou do pano, pegou da agulha, pegou da linha, enfiou a linha na agulha, e entrou a coser. Uma e outra iam andando orgulhosas, pelo pano adiante, que era a melhor das sedas, entre os dedos da costureira, ágeis como os galgos de Diana — para dar a isto uma cor poética. E dizia a agulha:
— Então, senhora linha, ainda teima no que dizia há pouco? Não repara que esta distinta costureira só se importa comigo; eu é que vou aqui entre os dedos dela, unidinha a eles, furando abaixo e acima...
A linha não respondia; ia andando. Buraco aberto pela agulha era logo enchido por ela, silenciosa e ativa, como quem sabe o que faz, e não está para ouvir palavras loucas. A agulha, vendo que ela não lhe dava resposta, calou-se também, e foi andando. E era tudo silêncio na saleta de costura; não se ouvia mais que o plic-plic-plic-plic da agulha no pano. Caindo o sol, a costureira dobrou a costura, para o dia seguinte. Continuou ainda nessa e no outro, até que no quarto acabou a obra, e ficou esperando o baile.
Veio a noite do baile, e a baronesa vestiu-se. A costureira, que a ajudou a vestir-se, levava a agulha espetada no corpinho, para dar algum ponto necessário. E enquanto compunha o vestido da bela dama, e puxava de um lado ou outro, arregaçava daqui ou dali, alisando, abotoando, acolchetando, a linha para mofar da agulha, perguntou-lhe:
— Ora, agora, diga-me, quem é que vai ao baile, no corpo da baronesa, fazendo parte do vestido e da elegância? Quem é que vai dançar com ministros e diplomatas, enquanto você volta para a caixinha da costureira, antes de ir para o balaio das mucamas? Vamos, diga lá.
Parece que a agulha não disse nada; mas um alfinete, de cabeça grande e não menor experiência, murmurou à pobre agulha:
 
— Anda, aprende, tola. Cansas-te em abrir caminho para ela e ela é que vai gozar da vida, enquanto aí ficas na caixinha de costura. Faze como eu, que não abro caminho para ninguém. Onde me espetam, fico.
 
Contei esta história a um professor de melancolia, que me disse, abanando a cabeça:
— Também eu tenho servido de agulha a muita linha ordinária!

Machado de Assis

quarta-feira, 16 de maio de 2012

segunda-feira, 14 de maio de 2012

Política de Interesse



Em Portugal não há ciência de governar nem há ciência de organizar oposição. Falta igualmente a aptidão, e o engenho, e o bom senso, e a moralidade, nestes dois factos que constituem o movimento político das nações. 
A ciência de governar é neste país uma habilidade, uma rotina de acaso, diversamente influenciada pela paixão, pela inveja, pela intriga, pela vaidade, pela frivolidade e pelo interesse. 
A política é uma arma, em todos os pontos revolta pelas vontades contraditórias; ali dominam as más paixões; ali luta-se pela avidez do ganho ou pelo gozo da vaidade; ali há a postergação dos princípios e o desprezo dos sentimentos; ali há a abdicação de tudo o que o homem tem na alma de nobre, de generoso, de grande, de racional e de justo; em volta daquela arena enxameiam os aventureiros inteligentes, os grandes vaidosos, os especuladores ásperos; há a tristeza e a miséria; dentro há a corrupção, o patrono, o privilégio. A refrega é dura; combate-se, atraiçoa-se, brada-se, foge-se, destrói-se, corrompe-se. Todos os desperdícios, todas as violências, todas as indignidades se entrechocam ali com dor e com raiva. 
À escalada sobem todos os homens inteligentes, nervosos, ambiciosos (...) todos querem penetrar na arena, ambiciosos dos espectáculos cortesãos, ávidos de consideração e de dinheiro, insaciáveis dos gozos da vaidade. 

Eça de Queiroz, in 'Distrito de Évora (1867)

sábado, 12 de maio de 2012

IMAGEM

Antitese da Calma - António Dacosta







A imagem é o principal problema que se põe ao pensamento no nosso tempo. A força mais autêntica da poesia reside, na capacidade de gerar imagens. A imagem é o que excede a linguagem. Ex. «O navio de espelhos» de Cesariny, «o navio de espelhos não navega, cavalga», é uma imagem forte! Embora dotados pela linguagem é pela imagem que chegamos ao epifânico, ao que nos revela, como numa cintilação, um pouco mais do que real, como dizia André Breton e ao mesmo tempo, aquilo que imediatamente se cerra sobre ele.
O real mascara-se de imagens. Mas enquanto totalidade, é inapreensível. Tudo o que fazemos é à procura de surpreender o real, tanto na poesia como na pintura. Goethe pedia mais luz, mas na verdade o que pedia era para ver melhor a realidade. A ironia poética pressupõe uma distância que nos permite duvidar. E duvidamos que as coisas sejam como são e ao mesmo tempo que seja possível experimentarmos ainda determinados sentimentos! Ironia é possibilidade de ainda se fazer poesia lírica, Adorno dizia: a poesia lírica já não cabe no mundo». Duvidamos do sentimento e da expressão.
Bernardo Pinto de Almeida (poeta e crítico e Historiador de Arte JL

quarta-feira, 9 de maio de 2012


Esta vida é um hospital onde cada doente está possuído pelo desejo de mudar de leito. Este gostaria de sofrer em frente a um aparelho de calefação, aquele outro crê que se curaria em frente à uma janela. 
Parece-me que estarei sempre bem lá onde não estou, e essa questão de mudança é um assunto que discuto sem cessar com minha alma.
“Diga-me, minha alma, pobre alma resfriada, que pensarias de morar em Lisboa? Lá deve fazer calor e tu te regozijarias como um lagarto. Essa cidade fica à beira-mar, diz-se que foi construída com mármore e que o povo tem um tal ódio por vegetais que arranca todas as árvores. Eis uma paisagem segundo teu gosto; uma paisagem com a luz e o mineral, e o líquido para refleti-los!”
Minha alma não responde.
“Posto que amas tanto o repouso com o espetáculo do movimento, queres vir habitar na Holanda, essa terra beatificante? Talvez te divertirás nesse lugar cujas imagens frequentemente admiraste nos museus. Que pensarias tu de Rotterdam, tu que amas as florestas de mastros e de navios amarrados ao pé das casas?”
Minha alma permanece muda.
“Batávia sorriria, talvez mais para ti. Nós encontraríamos lá, então, o espírito da Europa casado com a beleza tropical.”
Nenhuma palavra. Estaria morta a minha alma?
“Chegaste a este ponto de entorpecimento que não te alegras senão com teu próprio mal? Se é assim, fujamos, então, para os países que são as analogias da morte. Já sei o que devemos fazer, pobre alma! Nós faremos nossas malas para Tornéo. Iremos mais longe ainda, ao extremo fim do Báltico, ainda mais longe da vida, se é possível; nos instalaremos no Pólo. Lá o sol não roça senão obliquamente a terra, e as lentes alternativas da luz e da noite suprimem a variedade e aumentam a monotonia, essa metade do nada. Lá nós poderemos tomar longos banhos de trevas, enquanto que para nos divertir as auroras boreais nos enviarão, de vez em quando, seus fachos róseos, como reflexos de fogos de artifício do inferno!”
Enfim minha alma explodiu e sabiamente gritou para mim: 
“Não importa onde! Não importa onde! desde que seja fora desse mundo!”
BAUDELAIRE

terça-feira, 8 de maio de 2012

VIRGINIA VITORINO


Virgínia Vitorino ( 1895  1967), poetisa e dramaturga portuguesa.
Formou-se em Filologia Românica na Faculdade de Letras de Lisboa, e frequentou o Conservatório Nacional de Música, onde estudou piano, canto, harmonia e italiano. Professora de liceu, trabalhou também na Emissora Nacional onde dirigia teatro radiofónico. Autora de três livros de poesia e de seis peças de teatro, todas representadas pela Companhia de Amélia Rey Colaço, Virgínia Vitorino foi agraciada pelo Governo Português com o grau de Oficial da Ordem de Cristo, em 1929, e com a Comenda da Ordem de Santiago, em 1932.
Do governo espanhol recebeu a Cruz de D. Afonso XII, em 1930. Recebeu o prémio Gil Vicente do Secretariado Nacional de Informação pela peça Camaradas. A sua obra, Namorados (1918) foi editada catorze vezes. Teve vasta colaboração em jornais e revistas portuguesas e brasileiras. Esteve no Brasil a convite de Getúlio Vargas, por volta de 1937. (WIKIPÉDIA)
Quando te vi
A manhã era clara, refulgente.
Uma manhã dourada. Tu passaste.
Abriu mais uma flor em cada haste.
Teve mais brilho o sol, fez-se mais quente.

E eu inundei-me dessa luz ardente.
Depois não sei mais nada. Olhei... Olhaste...
E nunca mais te vi. . . - Raro contraste! –
A madrugada transformou-se em poente.

Luz que nasceu e apenas cintilou!
Deixou-me triste assim que se apagou,
às vezes fecho os olhos; vejo-a ainda...

E há tanto sol dourando esses trigais!
Olhaste, olhei, fugiste... Ai, nunca mais,
nunca mais tive outra manhã tão linda!

Virgínia Vitorino
1895-1967

Horas
Tem cada hora uma decifração.
As horas falam e têm gestos, côres.
Na hora da manhã - vê que esplendores! -
É diferente a sua vibração.

Repara bem na hora dos amores.
É um coração com outro coração.
Tem a hora maior palpitação.
Tem vida, movimentos e langores.

É cada hora um livro, e cada qual
da sua forma o lê: ou bem ou mal.
- Horas que vão e que não voltam mais!

Para mim há só duas. Males... bens...
É a hora dourada em que tu vens,
e a hora dolorosa em que te vais.

AMOR


O amor! O amor! Ninguém o definiu.
É sempre o mesmo. Acaba onde começa.
Quem mais o sente menos o confessa,
e quem melhor o diz nunca o sentiu.

Conhece a todos mas ninguém o viu.
Se o procuramos, foge-nos depressa.
Se o desprezamos, todo se interessa,
só está presente quando já fugiu.

É homem feito sendo criança.
E quanto mais se quer menos se alcança,
ninguém o encontra, e em toda parte mora.

Mata a quem dele vive. É sempre assim.
Só principia quando chega o fim,
morreu há muito e nasce a cada hora.

Virgínia Victorino


Certeza
O desejo maior de toda a gente
é ter um maior bem, de maior dura;
e longe, a procurá-lo, se amargura
tendo-o às vezes tão perto, e tão presente!

Deve ter sempre o coração consciente
quem se aventure a procurar ventura.
Deve sempre saber o que procura
para que não procure inutilmente.

O sonho que em mim arde e em mim se expande
há de chegar ao fim, há de ser grande!
O meu instinto é que o pressente e diz...

Sei onde vou e a parte que me cabe!
E há tanta, tanta gente que não sabe
o que lhe falta para ser feliz!

Virgínia Vitorino 

1895-1967

MEDO 

Ouve o grande silêncio destas horas!
Há quanto tempo não dizemos nada…
Tens no sorriso uma expressão magoada,
tens lágrimas nos olhos, e não choras!

As tuas mãos nas minhas mãos demoras
numa eloqüência muda, apaixonada…
Se o meu sombrio olhar de amargurada
procura o teu, sucumbes e descoras…


O momento mais triste de uma vida
é o momento fatal da despedida,
— Vê como o medo cresce em mim, latente…


Que assustadora, enorme sombra escura!
Eis afinal, amor, toda a tortura:
— vejo-te ainda, e já te sinto ausente!
 


PALAVRAS 

Seja alegria, seja mágoa, ciúme
Pena de amor, ou grito de revolta
Tudo a palavra humana em si resume
Tudo arrasta suspenso á sua volta!


Palavras
Céu e inferno!
Cinza e lume!
Mistério que a nossa alma traz envolta!
Umas, consolação!
Outras, queixume…
Todas correndo como o vento á solta!


Tudo as palavras dizem
A verdade, a mentira, a crueldade…
Mas afinal, o que perturba e espanta
É o drama das que nunca foram ditas
Das palavras pequenas e infinitas
Que morrem sufocadas na garganta!”
 


RENÚNCIA 

Fui nova, mas fui triste; só eu sei
como passou por mim a mocidade!
Cantar era o dever da minha idade…
Devia ter cantado, e não cantei! 


Fui bela. Fui amada. E desprezei…
Não quiz beber o filtro da ansiedade.
Amar era o destino, a claridade…
Devia ter amado, e não amei!


Ai de mim! Nem saudades, nem desejos;
nem cinzas mortas, nem calor de beijos…
— Eu nada soube, nada quis prender!


E o que me resta? Uma amargura infinda:
ver que é, para morrer, tão cedo ainda,
e que é tão tarde já para viver!
_____________