O importante não é aquilo que fazem de nós, mas o que nós mesmos fazemos do que os outros fizeram de nós.
JEAN-PAUL SARTRE

domingo, 28 de fevereiro de 2010

PESSOA vs SÁ-CARNEIRO

Encontrei na minha estante o livrinho «SOBRE FERNANDO PESSOA E MÁRIO DE SÁ-CARNEIRO», organizado por Arnaldo Saraiva (Centro de Estudos Pessoanos), que me foi dado, quando vi o filme «CONVERSA ACABADA» e tirei do mesmo alguns apontamentos.


Fernando Pessoa (13.06.1888)
Mário de Sá-Carneiro (19.05.1890)
Conheceram-se em Agosto de 1912 e Mário partiu para Paris em Outubro de 1912, trocam correspondência e só se encontraram pessoalmente de 23.06.1913 a 22.05.1914, data em que Sá-Carneiro voltou para Paris, de onde regressou em Setembro desse ano. Depois a 11.07.15 Sá Carneiro partiu inesperadamente para Paris e nunca mais se viram.
Trocaram saberes e projectos, Pessoa propôs-se publicar os trabalhos de Sá-Carneiro, tudo que faziam era partilhado. Quando Pessoa vê aparecer Alberto Caeiro e logo a seguir Álvaro de Campos, este escreve o poema «Opiário» que dedicou a Sá-Carneiro, projectam e concretizam o projecto Orpheu…Mário de Sá-Carneiro, estava em Paris, para estudar com uma mesada dada pelo pai, entrou na vida boémia e teve problemas de relacionamento, principalmente depois do pai voltar a casar, ficou sem dinheiro e cheio de dívidas. Em Março de 1916, escreveu a Pessoa anunciando o suicídio, voltou a escrever sobre este assunto em 4 de Abril, acabando por consumar o acto no dia 26, com uma dose fortíssima de estricnina.

CORRESPONDÊNCIA DE Sá-Carneiro
31.12.1912
Um belo dia da minha vida foi aquele em que travei conhecimento consigo. Eu ficara conhecendo ALGUÉM. E não só uma grande alma; também um grande coração. Deixe-me dar-lhe um abraço, um desses grandes abraços onde vai toda a nossa alma e que selam uma amizade leal e forte.
Sá Carneiro

10.03.1913

Meu querido Fernando: é impossível que um talento como o seu não ILUMINE algum dia! Um abraço onde vai toda a minha admiração, todo o meu culto pelo genial artista que o meu amigo é. E creia na minha sinceridade. Eu já lhe disse que tenho um pavor sem fim do «elogio pelo elogio». Não faz ideia como me orgulho de ser estimado por si como sou, como do fundo de alma lhe agradeço as suas cartas que para mim são actualmente as maiores alegrias, como me orgulho de merecer a sua atenção.
Sá Carneiro

13.07.1914

Meu querido Amigo, juro-lhe que não exagero, que não literatizo, que não deixo a minha pena seguir inadvertidamente: eu a cada linha mais sua que leio sinto crescer o meu orgulho: o meu orgulho por ser, em todo o caso, aquele cuja obra mais perto está da sua – perto como a terra do sol – por o contar no número dos bem íntimos e em suma: porque o Fernando Pessoa gosta do que eu escrevo. Não são declarações de amor: mas tudo isto, toda esta sumptuosidade e depois a grande alma que você é, fazem-me ser tão seu amigo quanto eu posso ser dalguém: encher-me de ternuras, gostar, como ao meu pai, de encostar a minha cabeça no seu braço – e de o ter aqui, ao pé de mim, como gostaria de ter o meu Pai, a minha Ama ou qualquer objecto, qualquer bicho querido da minha infância! Só lhe peço que me desculpe a maneira como me exprimo – Mas a única como me possa exprimir em inteira sinceridade.
Sá Carneiro

14.03.1916

Escrevo-lhe hoje por uma necessidade sentimental - uma ânsia aflita de falar consigo. Como de aqui se depreende, eu nada tenho a dizer-lhe. Só isto - que estou hoje no fundo de uma depressão sem fundo. O absurdo da frase falará por mim.
Estou num daqueles dias em que nunca tive futuro. Há só um presente imóvel com um muro de angústia em torno. A margem de lá do rio nunca, enquanto é a de lá, é a de cá; e é esta a razão íntima de todo o meu sofrimento. Há barcos para muitos portos, mas nenhum para a vida não doer, nem há desembarque onde se esqueça. Tudo isto aconteceu há muito tempo, mas a minha mágoa é mais antiga.
Em dias da alma como hoje eu sinto bem, em toda a minha consciência do meu corpo, que sou a criança triste em quem a vida bateu. Puseram-me a um canto de onde se ouve brincar. Sinto nas mãos, o brinquedo partido, que me deram por uma ironia de lata. Hoje, dia catorze de Março, às nove horas e dez da noite, a minha vida sabe a valer isto.
No jardim que entrevejo pelas janelas caladas do meu sequestro, atiraram com todos os balouços para cima dos ramos de onde pendem; estão enrolados muito alto; e assim nem a ideia de mim fugido pode, na minha imaginação, ter balouços para esquecer a hora.
Pouco mais ou menos isto, mas sem estilo, é o meu estado de alma neste momento. Como à veladora do "Marinheiro" ardem-me os olhos, de ter pensado em chorar. Dói-me a vida aos poucos, a goles, por interstícios. Tudo isto está impresso em tipo muito pequeno num livro com a brochura a descoser-se.
Se eu não estivesse escrevendo a você, teria que lhe jurar que esta carta é sincera, e que as coisas de nexo histérico que aí vão saíram espontâneas do que me sinto. Mas você sentirá bem que esta tragédia irrepresentável é de uma realidade de cabide ou de chávena - chia de aqui e de agora, e passando-se na minha alma como o verde nas folhas.
Foi por isto que o Príncipe não reinou. Esta frase é inteiramente absurda. Mas neste momento sinto que as frases absurdas dão uma grande vontade de chorar.
Pode ser que, se não deitar hoje esta carta no correio amanhã, relendo-a, me demore a copiá-la à máquina, para inserir frases e esgares dela no "Livro do Desassossego". Mas isso nada roubará à sinceridade com que a escrevo, nem à dolorosa inevitabilidade com que a sinto.
As últimas notícias são estas. Há também o estado de guerra com a Alemanha, mas já antes disso a dor fazia sofrer. Do outro lado da Vida, isto deve ser a legenda duma caricatura casual.
Isto não é bem a loucura, mas a loucura deve dar um abandono ao com que se sofre, um gozo astucioso dos solavancos da alma, não muito diferentes destes.
De que cor será sentir?
Milhares de abraços do seu, sempre muito seu,
Fernando Pessoa
P.S. - Escrevi esta carta de um jacto. Relendo-a, vejo que, decididamente, a copiarei amanhã, antes de lha mandar. Poucas vezes tenho tão completamente escrito o meu psiquismo, com todas as suas atitudes sentimentais e intelectuais, com toda a sua histero-neurastenia fundamental, com todas aquelas intersecções e esquinas na consciência de si-próprio que dele são tão características...
Você acha-me razão, não é verdade?
17.04.1916

Se eu penso em você? Mas a todos os momentos, meu querido amigo. Em quem hei-de eu pensar senão em você? E é nesses momentos que eu sinto todo o afecto que ligas as nossas almas.
Sá Carneiro
18.04.1916

Unicamente para comunicar consigo, meu querido Fernando Pessoa. Escreva-me muito – de joelhos lhe suplico./…/Veja o meu horóscopo. È agora, mais do que nunca o momento.
Sá Carneiro
26.04.1916

Um grande, grande adeus do seu pobre Mário de Sá-Carneiro.
Fim

Quando eu morrer batam em latas,
Rompam aos saltos e aos pinotes,
Façam estalar no ar chicotes,
Chamem palhaços e acrobatas!

Que o meu caixão vá sobre um burro
Ajaezado à andaluza...
A um morto nada se recusa,
Eu quero por força ir de burro.

Mário de Sá Carneiro

26.04.1916
…/…
Acrescentar-se-lhe o grande sofrimento que você – sem querer, é claro – me causou com a sua terrível crise. Não sei se você avalia bem até que ponto eu sou seu amigo, a que grau lhe sou dedicado e afeiçoado. O facto é que a sua grande crise foi uma grande crise minha, e eu senti-a, como já lhe disse não só pelas suas cartas, como já de antes, telegraficamente, pela «projecção astral» (como eles dizem) do seu sofrimento.

…/…

POESIA A MÁRIO DE SÁ-CARNEIRO

Nunca supus que isto que chamam morte
Tivesse qualquer espécie de sentido...
Cada um de nós, aqui aparecido,
Onde manda a lei certa e falsa sorte,

Tem só uma demora de passagem
Entre um comboio e outro , entroncamento
Chamado o mundo, ou a vida, ou o momento;
Mas, seja como for, segue a viagem.
…/…
MÁRIO DE SÁ-CARNEIRO
(1890-1916)
Atque in perpetuum, frater, ave atque vale!
CATULUS
Morre jovem o que os Deuses amam, é um preceito da sabedoria antiga. E por certo a imaginação, que figura novos mundos, e a arte, que em obras os finge, são os sinais notáveis desse amor divino. Não concedem os Deuses esses dons para que sejamos felizes, senão para que sejamos seus pares. Quem ama, ama só a igual, porque o faz igual com amá-lo. Como porém o homem não pode ser igual dos Deuses, pois o Destino os separou, não corre homem nem se alteia deus pelo amor divino; estagna só deus fingido, doente da sua ficção.
Não morrem jovens todos a que os Deuses amam, senão entendendo-se por morte o acabamento do que constitui a vida. E como à vida, além da mesma vida, a constitui o instinto natural com que se a vive, os Deuses, aos que amam, matam jovens ou na vida, ou no instinto natural com que vivê-la. Uns morrem; aos outros, tirado o instinto com que vivam, pesa a vida como morte, vivem morte, morrem a vida em ela mesma. E é na juventude, quando neles desabrocha a flor fatal e única, que começam a sua morte vivida.
No herói, no santo e no génio os Deuses se lembram dos homens. O herói é um homem como todos, a quem coube por sorte o auxílio divino; não está nele a luz que lhe estreia a fronte, sol da glória ou luar da morte, e lhe separa o rosto dos de seus pares. O santo é um homem bom a que os Deuses, por misericórdia, cegaram, para que não sofresse; cego, pode crer no bem, em si, e em deuses melhores, pois não vê, na alma que cuida própria e nas coisas incertas que o cercam, a operação irremediável do capricho dos Deuses, o jugo superior do Destino. Os Deuses são amigos do herói, compadecem-se do santo; só ao génio, porém, é que verdadeiramente amam. Mas o amor dos Deuses, como por destino não é humano, revela-se em aquilo em que humanamente se não revelara amor. Se só ao génio, amando-o, tornam seu igual, só ao génio dão, sem que queiram, a maldição fatal do abraço de fogo com que tal o afagam. Se a quem deram a beleza, só seu atributo, castigam com a consciência da mortalidade dela; se a quem deram a ciência, seu atributo também, punem com o conhecimento do que nela há de eterna limitação; que angústias não farão pesar sobre aqueles, génios do pensamento ou da arte, a quem, tornando-os criadores, deram a sua mesma essência? Assim ao génio caberá, além da dor da morte da beleza alheia, e da mágoa de conhecer a universal ignorância, o sofrimento próprio, de se sentir par dos Deuses sendo homem, par dos homens sendo deus, êxul ao mesmo tempo em duas terras.
Génio na arte, não teve Sá-Carneiro nem alegria nem felicidade nesta vida. Só a arte, que fez ou que sentiu, por instantes o turbou de consolação. São assim os que os Deuses fadaram seus. Nem o amor os quer, nem a esperança os busca, nem a glória os acolhe. Ou morrem jovens, ou a si mesmos sobrevivem, íncolas da incompreensão ou da indiferença. Este morreu jovem, porque os Deuses lhe tiveram muito amor.
Mas para Sá-Carneiro, génio não só da arte mas da inovação nela, juntou-se, à indiferença que circunda os génios, o escárnio que persegue os inovadores, profetas, como Cassandra, de verdades que todos têm por mentira. In qua scribebat, barbara terrafuit. Mas, se a terra fora outra, não variara o destino. Hoje, mais que em outro tempo, qualquer privilégio é um castigo. Hoje, mais que nunca, se sofre a própria grandeza. As plebes de todas as classes cobrem, como uma maré morta, as ruínas do que foi grande e os alicerces desertos do que poderia sê-lo. O circo, mais que em Roma que morria, é hoje a vida de todos; porém alargou os seus muros até os confins da terra. A glória é dos gladiadores e dos mimos. Decide supremo qualquer soldado bárbaro, que a guarda impôs imperador. Nada nasce de grande que não nasça maldito, nem cresce de nobre que se não definhe, crescendo. Se assim é, assim seja! Os Deuses o quiseram assim.
1924

sábado, 27 de fevereiro de 2010

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

VIRGILIO VIEITEZ (RETRATISTA)








Virgilio Vieitez, retratista galego dos anos sessenta. A obra de Virgilio Vieitez aborda retratos de pessoas, bodas, festas etc. São fotografias que reflectem a vida quotidiana do povo. São imagens estáticas, com grande naturalidade e sobretudo dignidade. Vieitez retrata a gente pobre, mas nunca a miséria.

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

LA TRAVIATA DE VERDI

ABERTURA


SEMPRE LIBERA




BRINDISI


(ÁREAS MENOS DRAMATICAS)

terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

TIORBA - INSTRUMENTO CRIADO NO SÉC. XVI E UTILIZADO ATÉ AO SÉC. XVIII

MANÍACOS DE QUALIDADE – PSICÓLOGA JOANA AMARAL DIAS
ANALISA: Fernando Pessoa, Antero de Quental, João César Monteiro, D. Maria I, D. Afonso VI, Marquês de Pombal, entre outros…

Não li, nem tenciono ler...


A vida de Fernando Pessoa, foi atribulada. Com 5 anos, nasceu o seu irmão Jorge. Nesse mesmo ano morreu o pai e a família mudou de casa. Aos 6 anos morreu o irmão e no ano seguinte a mãe casou. Aos 8 anos mudou-se para Durban e logo nasceu o primeiro filho do segundo casamento da mãe. Em apenas três anos, morreu o pai, o irmão, mudou de casa, de país, de «pai», de irmão, de família, de cultura, de língua. Isto representa muita coisa, para uma criança…
Neste turbilhão de acontecimentos Fernando Pessoa sentia-se só, os heterónimos, os amigos imaginários, surgiram muito cedo, como depois revelou. O esoterismo, pode estar ligado ao pensamento mágico, criando fantasmas e monstros e a fobia dos medos, o medo da trovoada, um temor imaginativo, podem ser reflexos da sua infância.
O medo da loucura... a avó paterna de Fernando Pessoa morreu doida.


Uma das minhas complicações mentais – mais horrível do que as palavras podem exprimir – é o medo da loucura, o qual em si já é loucura. Encontro-me em parte no estado que Rollinat denuncia como seu no poema inicial das suas «Névroses». Impulsos, alguns deles criminosos, loucos outros, que chegam, por entre o meu sofrimento excruciante, a uma tendência horrível para a acção, uma terrível muscularidade, sentida nos músculos, quero eu dizer – eis coisas frequentes em mim, e o seu horror e intensidade – agora maiores do que nunca em número como em intensidade – são indescritíveis. (Fragmento 3010.08 – Armando Côrtes-Rodrigues)



"…Desde criança tive a tendência para criar em meu torno um mundo fictício, de me cercar de amigos e conhecidos que nunca existiram. (Não sei, bem entendido, se realmente não existiram, ou se sou eu que não existo. Nestas coisas, como em todas, não devemos ser dogmáticos.) Desde que me conheço como sendo aquilo a que chamo eu, me lembro de precisar mentalmente, em figura, movimentos, carácter e história, várias figuras irreais que eram para mim tão visíveis e minhas como as coisas daquilo a que chamamos, porventura abusivamente, a vida-real. Esta tendência, que me vem desde que me lembro de ser um eu, tem me acompanhado sempre, mudando um pouco o tipo de música com que me encanta, mas não alterando nunca a sua maneira de encantar.

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

SEBASTIÃO DE ALBA

SEBASTIÃO ALBA (Dinis Albano Carneiro Gonçalves), (Braga, 1940 - 2000), ilustre escritor naturalizado moçambicano. Pertenceu à jovem vaga de autores moçambicanos que vingaram na literatura lusófona.
Viveu alguns anos em Braga e em 1950 foi com a família para Moçambique onde se radicou. Em Moçambique formou-se em jornalismo, leccionou em várias escolas, e contraiu matrimónio com uma nativa.
Publicou, em 1965, Poesias, inspirado na sua própria biografia. Um dos seus primeiros poemas foi Eu, a canção. Os seus três livros colocaram-no numa posição cimeira no ambiente cultural.


Voltou a Portugal em 1984. Teve uma curta experiência em Lisboa com a família, que lhe aumentou a sua tendência anti-social e regressou a Braga só, isto é, sem a mulher e as filhas. Optou definitivamente por um tecto de estrelas, depois de curtas estadas em quartos arrendados. Como parceiros de vida o álcool, a música e a poesia. A Antena 2 e uma harmónica de boca alimentavam-lhe a melomania; o álcool, sempre dissimulado num saco de plástico, entorpeceu-lhe a voz da consciência; a poesia embalou-o no sonho idealista de submeter o mundo à ordem musical.

Figura controversa, por teimosamente rejeitar qualquer oferta de protecção ou abrigo, por ser bêbado, provocador e incumpridor contumaz das normas sociais: foi atropelado fora de uma passadeira. Era um ser desprendido, dava o pouco dinheiro que tinha a mendigos ou vadios, sendo ele mesmo um mendigo de grande dignidade, só aceitava actos de caridade contra actos de gratidão: tocava peças musicais ou oferecia poemas a quem o ajudava. Até os 1.500 contos do Grande Prémio ITF deu às filhas.
Faleceu com 60 anos, atropelado numa rodovia. Deixou um bilhete dirigido ao irmão:
«Se um dia encontrarem o teu irmão Dinis, o espólio será fácil de verificar: dois sapatos, a roupa do corpo e alguns papéis que a polícia não entenderá».

há poetas com musa. Muitos.

Há poetas com musa. Muitos.
Eu, neste jardim do Éden,
a cargo do município,
onde um velho destece a sua vida
e, baixando o olhar,
ainda lhe afaga a trama,
quando a poesia se afoita,
amuo
na agrura de, ao acordar,
tê-la sonhado.

ninguém, meu amor
ninguém como nós conhece o sol
Podem utilizá-lo nos espelhos
apagar com ele
os barcos de papel dos nossos lagos
podem obrigá-lo a parar
à entrada das casas mais baixas
podem ainda fazer
com que a noite gravite
hoje do mesmo lado
Mas ninguém meu amor
ninguém como nós conhece o sol
Até que o sol degole
o horizonte em que um a um
nos deitam
vendando-nos os olhos

um anjo erra (o amor confuso)

Um anjo erra
nos teus olhos diurnos

humedecido do véu
(ao fundo, a íris entardece)
seguiu de cor a revoada das pombas

místico
um arroubo ascende a prumo
do plano em que me fitas

cisnes desaguam
do teu olhar em fio
e vogam ao redor, pelo estuário da sala

ao sol-poente
os vitrais das janelas
ardem na catedral assim erguida

colocamos um sonho
em cada nicho

e no círculo formado pelas nossas bocas
subentende-se com verve
a língua.
certo de que voltas, canção (o amor confuso)

Certo de que voltas, canção,
a incerta hora,
espero como quem mora
só, a visitação.

Sei, por sinais e anjos e desviados,
que rebentas dos sonhos desolados
em flores no chão.

Apenas flores, nem nimbos na lapela.
Flores para a mesa,
com o odor da certeza
de água, vinho e pão.

Apenas flores e tu,
ó meu amor sem nome,
e a nossa dupla fome
dum menino nu.

a um filho morto

Ontem a comoção foi da espessura dum susto
duma árvore correndo
vertiginosamente para dentro do desastre

E já não choramos. Passamos
sem que o mais acurado apelo
nos decida

Nas camisas
teu monograma desanlaça-se.
Tua mão vê-o nos céus nocturnos
sabe que há uma ígnea
chave algures

Minha tristeza não tem expressão visível
como quando a chuva cessa
sobre a dádiva fugaz do nosso sangue
que hoje embebe a terra

É tal a ordem em nós
que um odor a bafio sai de nossas bocas
e uma teia de aranha interrompe o olhar
que te envolveu em vão.

sábado, 20 de fevereiro de 2010

4.33 - JOHN CAGE

John Cage, chocou o mundo em 1952, quando apresentou uma peça para qualquer instrumento solista ou grupo instrumental na qual os músicos permanecem em silêncio durante 4 minutos e 33 segundos. São três andamentos de silêncio, com duraçõs diferentes.

Gosto do silêncio, mas às vezes é ensurdecedor e provoca desassossego.

NÃO SEI DE QUEM É ESTE QUADRO!...

Fiquei impressionada com este quadro, não sei quem é o seu autor, lembra Picasso, em determinada fase, já que teve várias...expressa a miséria de uma forma muito comovedora!...

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

FOTOGRAFIAS DE ROBERT CAPA



SICÍLIA



GUERRA CIVIL ESPANHOLA

ISRAEL


DIA D - II GUERRA


ROBERT CAPA



Robert Capa, (Endre Ernő Friedmann) (Budapeste, 1913 — 1954), foi um dos mais
célebres fotógrafos de guerra. Capa cobriu os mais importantes conflitos da
primeira metade do século XX: a Guerra Civil Espanhola, a Segunda Guerra
Sino-Japonesa, a Segunda Guerra Mundial na Europa (em Londres, na Itália, a
Batalha da Normandia em Omaha Beach, e a libertação de Paris), no Norte da África,
a Guerra árabe-israelense de 1948. Com
David Seymour, Henri Cartier-Bresson e George Rodger, fundou a
Agência Magnum (1947).
Capa morreu na
Guerra da Indochina, em 1954, ao calcar uma
mina terrestre.
Obtido
em "
http://pt.wikipedia.org/wiki/Robert_Capa"

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

CESÁRIO VERDE - O SENTIMENTO DE UM OCIDENTAL

CESÁRIO VERDE ( 1855 — 1886)
Para saber mais sobre o poeta: http://pt.wikipedia.org/wiki/Ces%C3%A1rio_Verde
Gosto de várias poesias de Cesário Verde, mas esta...
O SENTIMENTO DE UM OCIDENTAL
I
Nas nossas ruas, ao anoitecer,
Há tal soturnidade, há tal melancolia,
Que as sombras, o bulício, o Tejo, a maresia
Despertam um desejo absurdo de sofrer.
O céu parece baixo e de neblina,
O gás extravasado enjoa-nos, perturba;
E os edifícios, com as chaminés, e a turba,
Toldam-se duma cor monótona e londrina
Batem os carros de aluguer, ao fundo,
Levando à via férrea os que se vão. Felizes!
Ocorrem-me em revista, exposições,
países:Madrid, Paris, Berlim, S. Petersburgo, o mundo!
Semelham-se a gaiolas, com viveiros,
As edificações somente emadeiradas:
Como morcegos, ao cair das badaladas,
Saltam de viga em viga os mestres carpinteiros.
Voltam os calafates, aos magotes,
De jaquetão ao ombro, enfarruscados, secos;
Embrenho-me, a cismar, por boqueirões, por becos,
Ou erro pelos cais a que se atracam botes.
E evoco, então, as crónicas navais:
Mouros, baixéis, heróis, tudo ressuscitado!
Luta Camões no Sul, salvando um livro a nado!
Singram soberbas naus que eu não verei jamais!
E o fim da tarde inspira-me; e incomoda!
De um couraçado inglês vogam os escaleres;
E em terra num tinir de louças e talheres
Flamejam, ao jantar, alguns hotéis da moda.
Num trem de praça arengam dois dentistas,
Um trôpego arlequim braceja numas andas;
Os querubins do lar flutuam nas varandas;
Às portas, em cabelo, enfadam-se os lojistas!
Vazam-se os arsenais e as oficinas,
Reluz, viscoso, o rio; apressam-se as obreiras;
E num cardume negro, hercúleas, galhofeiras,
Correndo com firmeza, assomam as varinas.
Vêm sacudindo as ancas opulentas!
Seus troncos varonis recordam-me pilastras;
E algumas, à cabeça, embalam nas canastras
Os filhos que depois naufragam nas tormentas.
Descalças! Nas descargas de carvão,
Desde manhã à noite, a bordo das fragatas;
E apinham-se num bairro aonde miam gatas,
E o peixe podre gera os focos de infecção!
II
Toca-se as [sic] grades, nas cadeias. Som
Que mortifica e deixa umas loucuras mansas!
O aljube, em que hoje estão velhinhas e crianças,
Bem raramente encerra uma mulher de "dom"!
E eu desconfio, até de um aneurisma
Tão mórbido me sinto,ao acender das luzes;
À vista das prisões, da velha sé, das cruzes,
Chora-me o coração que se enche e que se abisma.
A espaços, iluminam-se os andares,
E as tascas, os cafés, as tendas, os estancos
Alastram em lençol os seus reflexos brancos;
E a lua lembra o circo e os jogos malabares.
Duas igrejas, num saudoso largo,
Lançam a nódoa negra e fúnebre do clero:
Nelas esfumo um ermo inquisidor severo,
Assim que pela história eu me aventuro e alargo.
Na parte que abateu no terremoto,
Muram-se as construções rectas, iguais, crescidas;
Afrontam-me, no resto, as íngremes subidas,
E os sinos dum tanger monástico e devoto.
Mas num recinto público e vulgar,
Com bancos de namoro e exíguas pimenteiras,
Brônzeo, monumental, de proporções guerreiras,
Um épico doutrora ascende, num pilar!
E eu sonho o Cólera, imagino a Febre,
Nesta acumulação de corpos enfezados;
Sombrios e espectrais recolhem os soldados,
Inflama-se um palácio em face de um casebre.
Partem patrulhas de cavalaria
Dos arcos dos quartéis que foram já conventos;
Idade Média! A pé, outras, a passos lentos,
Derramam-se por toda a capital, que esfria.
Triste cidade! Eu temo que me avives
Uma paixão defunta! Aos lampiões distantes,
Enlutam-me, alvejando, as tuas elegantes
Curvadas a sorrir às montras dos ourives.
E mais: as costureiras, as floristas
Descem dos magasins, causam-me sobressaltos;
Custa-lhes a elevar os seus pescoços altos
E muitas delas são comparsas ou coristas.
E eu, de luneta de uma lente só,
Eu acho sempre assunto a quadros revoltados:
Entro na brasserie; às mesas de emigrados
Joga-se, alegremente, e ao gás, o dominó!
III
E saio. A noite pesa, esmaga. Nos
Passeios de lajedo arrastam-se as impuras.
Ó moles hospitais! Sai das embocaduras
Um sopro que arripia os ombros quase nus.
Cercam-me as lojas, tépidas. Eu penso
Ver círios laterais, ver filas de capelas,
Com santos e fiéis, andores, ramos, velas,
Em uma catedral de um comprimento imenso.
As burguesinhas do catolicismo
Resvalam pelo chão minado pelos canos;
E lembram-me, ao chorar doente dos pianos,
As freiras que os jejuns matavam de histerismo.
Num cutileiro, de avental, ao torno,
Um forjador maneja um malho, rubramente;
E de uma padaria exala-se, inda quente,
Um cheiro salutar e honesto a pão no forno.
E eu, que medito um livro que exacerbe,
Quisera que o real e a análise mo dessem;
Casas de confecções e modas resplandecem;
Pelas vitrines olha um ratoneiro imberbe.
Longas descidas! Não poder pintar
Com versos magistrais, salubres e sinceros,
A esguia difusão dos vossos reverberos,
E a vossa palidez romântica e lunar!
Que grande cobra, a lúbrica pessoa
Que espartilhada escolhe uns xales com debuxo!
Sua excelência atrai, magnética, entre o luxo
Que ao longo dos balcões de mogno se amontoa.
E aquela velha, de bandós! Por vezes,
A sua traîne imita um leque antigo, aberto,
Nas barras verticais, a duas tintas. Perto,
Escarvam, à vitória, os seus mecklemburgueses.
Desdobram-se tecidos estrangeiros;
Plantas ornamentais secam nos mostradores;
Flocos de pós de arroz pairam sufocadores,
E em nuvens de cetins requebram-se os caixeiros.
Mas tudo cansa! Apagam-se, nas frentes,
Os candelabros, como estrelas, pouco a pouco;
Da solidão regouga um cauteleiro rouco;
Tornam-se mausoléus as armações fulgentes.
"Dó da miséria!... Compaixão de mim!...
"E, nas esquinas, calvo, eterno, sem repouso,
Pede-nos sempre esmola um homenzinho idoso,
Meu velho professor nas aulas de latim!
IV
O tecto fundo de oxigénio, de ar,
Estende-se ao comprido, ao meio das trapeiras;
Vêm lágrimas de luz dos astros com olheiras,
Enleva-me a quimera azul de transmigrar.
Por baixo, que portões, que arruamentos!
Um parafuso cai nas lajes, às escuras:
Colocam-se taipais, ringem as fechaduras,
E os olhos dum caleche espantam-me, sangrentos.
E eu sigo, como as linhas de uma pauta,
A dupla correnteza augusta das fachadas;
Pois sobem, no silêncio, infaustas e trinadas,
As notas pastoris de uma longínqua flauta.
Se eu não morresse, nunca! E eternamente
Buscasse e conseguisse a perfeição das cousas!
Esqueço-me a prever castíssimas esposas,
Que aninhem em mansões de vidro transparente!
Ó nossos filhos! Que de sonhos ágeis,
Pousando, vos trarão a nitidez às vidas!
Eu quero as vossas mães e irmãs estremecidas,
Numas habitações translúcidas e frágeis.
Ah! Como a raça ruiva do porvir,
E as frotas dos avós, e os nómadas ardentes
Nós vamos explorar todos os continentes
E pelas vastidões aquáticas seguir!
Mas se vivemos, os emparedados,
Sem árvores, no vale escuro das muralhas!...
Julgo avistar, na treva, as folhas das navalhas
E os gritos de socorro ouvir estrangulados.
E nestes nebulosos corredores
Nauseiam-me, surgindo, os ventres das tabernas;
Na volta, com saudade, e aos bordos sobre as pernas,
Cantam, de braço dado, uns tristes bebedores.
Eu não receio, todavia, os roubos;
Afastam-se, a distância, os dúbios caminhantes;
E sujos, sem ladrar, ósseos, febris, errantes,
Amareladamente, os cães parecem lobos.
E os guardas que revistam as escadas,
Caminham de lanterna e servem de chaveiros;
Por cima, as imorais, nos seus roupões ligeiros,
Tossem, fumando sobre a pedra das sacadas.
E, enorme, nesta massa irregular
De prédios sepulcrais, com dimensões de montes,
A dor humana busca os amplos horizontes,
E tem marés, de fel, como um sinistro mar!
Lisboa

FERNANDO PESSOA versus CESÁRIO VERDE

OPINIÃO DE PESSOA, ACERCA DO POETA CESÁRIO VERDE (EXCERTOS)

Houve em Portugal, no século dezanove, três poetas, e três somente, a quem legitimamente compete a designação de mestres. São eles, por ordem de idades, Antero de Quental, Cesário Verde e Camilo Pessanha. Com excepção de Antero, todavia dubitativamente aceite e extremamente combatido, coube a todos três a sorte normal dos mestres- a incompreensão em vida, nos mesmos (como em Byron, derivando de Wordsworth e combatendo-o) sobre quem exerceram influência. A celebridade raras vezes acolhe os génios em vida, salvo se a vida é longa, e lhes chega ao fim dela. Quase nunca acolhe aqueles génios especiais, em quem o dom da criação se junta ao da novidade: que não sintetizam, como Milton, a experiência poética anterior, mas estabelecem como Shakespeare, um novo aspecto de poesia. Assim, e nos exemplos comparativamente citados, ao passo que Milton, embora sem pequenez para ser aceite pelo vulgo, foi de seu tempo tido como grande grandeza que tinha, Shakespeare não foi apreciado pelos contemporâneos senão como cómico. Com Antero de Quental se fundou entre nós a poesia metafísica, até ali não só ausente, mas organicamente ausente, da nossa literatura. Com Cesário Verde se fundou entre nós a poesia objectiva, igualmente ignorada entre nós. Com Camilo Pessanha a poesia do vago e do impressivo tomou forma portuguesa. Qualquer dos três, porque qualquer é um homem de génio, é grande não só adentro de Portugal, mas em absoluto. [...]Cesário Verde foi um dos mais radicais revolucionários que há na literatura. [...] Para medir a grandeza de Cesário é preciso lê-lo depois de por ampla leitura se estar saturado e integrado no género poético no meio do qual a sua obra surge como um relâmpago. É depois de ler essas obras que se deve ler Cesário; e é reflectindo então em que foi no meio psíquico, onde aquelas eram representativas e/ usuais/, que irrompeu a obra de Cesário Verde. Da violência enorme do contraste salta aos olhos, a par da extraordinária originalidade de Cesário, o conceito psicologicamente explicativo (...) a/ chave/ dessa individualidade sociologicamente considerada. Quanto à novidade da obra o contraste é flagrante. Em vez da retórica oca e do concomitante sentimentalismo difuso, da carência completa de tudo quanto fosse a visão artística do mundo exterior, da longa estrofe retumbante– o verso sóbrio e severo, o sentimento reprimido, a visão nítida (...) das cousas, o epíteto revelador, o uso simples e (...) da quadra, ou da quintilha, quase sempre apenas do decassílabo e do alexandrino. Isto é dito por alto; porque em toda a linha de comparação, em cada ponto da linha, o contraste é inteiro e completo. Dizer que Cesário sofreu influências várias quer dizer simplesmente que foi vivo. Todos os autores sofrem influências; a diferença começa no uso que fazem delas. Quanto maior a capacidade de compreensão de um espírito, mais facilmente influenciado é; quanto maior a sua capacidade de criação mais facilmente converte essas muitas influências na substância da sua personalidade.Uma individualidade pode ser intensa por ser estreita, ou por ser profunda. [...] Um espírito superficial tomará como pormenor curioso da obra de Cesário o cantar ele a cidade e também o campo. O mais curioso deste pormenor é que ele é falso. Cesário não canta nem as cidades nem os campos. Canta a vida humana, e canta nos campos e nas cidades, em relação à natureza livre dos campos e à/ natureza artificial/ das cidades. Poderá parecer que é um amante do minucioso da natureza. Mas uma comparação, ainda que ligeira, com o que amam e/ pintam/ minuciosamente a natureza, mostra, pela nenhuma parecença com Cesário, mesmo no modo de descrever, que Cesário não é como eles. E finalmente, quanto a sentimento, um só geralmente pode ter o esteta: o amor à vida e, correspondentemente, o horror à morte. Cesário Verde não é bem um temperamento de esteta. Tem sentimento puro demais, e/ sentimento da beleza/ a menos. Cesário é psiquismo muito mais curioso do que Théophile Gautier. Gautier é simplesmente o esteta típico; Cesário é qualquer coisa de mais individual. Não é bem um esteta português – isto é, o esteta que, por ser duma raça sentimental não pode nunca tipificar o esteta completamente. Essa apelação convém mais, por ex., a Eugénio de Castro. Cesário é outra cousa. É português, mas limitadamente esteta.*O sentimento estético não é grande em Cesário. O sentimento é forte e sincero, mas reprimido: e é nisto que Cesário é curioso. É português que reprime o sentimento. Tem-no, porque é um português, e um português sem sentimento é cousa que não se concebe.

Fernando Pessoa, no Livro do Desassossego (BERNARDO SOARES) escreveu:

“Vivo numa época anterior àquela em que vivo; gozo de sentir-me coevo de Cesário Verde, e tenho em mim, não outros versos como os dele, mas a substância igual à dos versos que foram dele.”

ALBERTO CAEIRO fez o poema:

Ao entardecer, debruçado pela janela,
E sabendo de soslaio que há campos em frente,
Leio até me arderem os olhos
O livro de Cesário Verde.

Que pena eu tenho dele! Ele era um camponês
Que andava preso em liberdade pela cidade.
Mas o modo como olhava para as casas,
E o modo como reparava nas ruas,
E a maneira como dava pelas coisas,
É o de quem olha para as àrvores,
E de quem desce os olhos pela estrada por onde vai andando
E anda a reparar nas flores que há pelos campos…

Por isso ele yinha aquela grande tristeza
Que ele nunca disse bem que tinha,
Mas andava na cidade como quem anda no campo
E triste como esmagar flores em livros
E pôr plantas em jarros…


E ÁLVARO DE CAMPOS

Ah o crepúsculo, o cair da noite,o acender de luzes nas grandes cidades

E a mão de mistério que abafa o bulício,
E o cansaço de tudo em nós que nos corrompe
Para uma sensação exacta e precisa e activa da vida!
Cada rua é um canal de uma Veneza de tédios
E que misterioso o fundo unânime das ruas,
Das ruas ao cair da noite, ó Cesário Verde, ó Mestre
Ó do «Sentimento de um Ocidental»!
[…]

(Álvaro de Campos é, como Cesário Verde, um poeta urbano: como ele, embora de forma mais chocantemente futurista, focou a cidade e a sua multidão anónima e também o cansaço e o tédio de si mesmo. Campos evoluciona, nos poemas, de uma euforia desmedida para uma imensa angústia que muitas vezes se exprime por meio de amargas ironias. Veja-se, por exemplo, a grande ironia que transparece do poema Tabacaria. Toda a desordem de ritmos, toda a violência de metáforas e expressões, provêm do desespero de não poder meter nas palavras o tamanho das sensações. E o próprio Campos afirma: "A emoção intensa não cabe na palavra: tem que baixar ao grito ou subir ao canto".)

terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

SOU UMA UTÓPICA DE ESQUERDA...

Não estou, nem nunca estive presa a nenhum partido político, isto permite-me criticar e elogiar um ou outro, mas sempre me considerei de esquerda, ie nunca votei no que se pode convencionar por direita. Há muitas esquerdas e pouca esquerda!...Posso ser mais radical ou mais tolerante, tudo depende da análise que faço, caso a caso.
A esquerda para mim, está implicada com a luta por uma mudança social com o intuito de criar uma sociedade mais igualitária. Este termo surgiu durante a Revolução Francesa. Esta é a esquerda que defendo, uma esquerda imbuída de humanismo, firmando-se na trilogia revolucionária – FRATERNIDADE, SOLIDARIEDADE E LIBERDADE. Penso que esta esquerda é progressiva e que sempre esteve ao lado das lutas sociais, das melhorias no trabalho, na jornada das 8 horas, nas férias, na semana inglesa, no combate à miséria, no apoio às crianças, aos idosos, etc…
Um conceito distinto de esquerda política foi originado com a Revolta de 1848 em França. Os organizadores da Primeira Internacional consideravam-se os sucessores da ala esquerda da Revolução Francesa (a jacobina). O termo esquerdista passou a definir vários movimentos revolucionários na Europa, especialmente socialistas, anarquistas e comunistas. O termo também é utilizado para descrever a social-democracia e o liberalismo social (diferente do liberalismo económico, considerado de direita).

Li os ENSAIOS POLÍTICOS, de Pessoa, sou «pessoana», mas não a 100%, no entanto considero que ele foi um génio e poderia usar muita adjectivação, mas sempre senti um grande cansaço pelos adjectivos! Pessoa viveu num tempo muito diverso, mas ao dizer: hoje liberalismo implique também um «capitalismo selvagem sem freios».
Pessoa defendia, a liberdade individual como um objectivo central e que a falta de oportunidades económicas, educação, saúde, etc., podem ser tão prejudiciais para a liberdade como um Estado opressor. Derivado disto, os liberais sociais estão entre os mais fortes defensores dos direitos humanos e das liberdades civis, combinando esta vertente com o apoio a uma economia em que o Estado desempenha essencialmente um papel de regulador e de garantidor, para que todos tenham acesso, independentemente da sua capacidade económica, aos serviços públicos que asseguram os direitos sociais fundamentais.
Tudo isto, está de acordo com os meus anseios!...
Será que a definição do Liberalismo Social, é cumprida?
Hoje em dia os conceitos estão muito adulterados, mas regimes ditatoriais de esquerda ou direita nem pensar! Há o «centrão», com um partido social-democrata e um partido socialista que me parecem descaracterizados, mas são os únicos com possibilidades de governar e depois há realmente a esquerda e a direita, que chegando ao poder por muito que gritem, acomodam-se e fazem simbiose com o «status-quo», apesar de tudo a esquerda, tem como objectivo denunciar os problemas sociais, enquanto a direita a sua vocação é o populismo.

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

RIMBAUD - (DECADENTISTA/SIMBOLISTA)

~ MA BOHÈME (Fantasie) ~
E lá me ia, as mãos nos bolsos furados,
E meu casaco era também o ideal.
Eu ia sob o céu, Musa! e te era leal;
Oh! lá! lá! que esplêndidos amores sonhados!

Minha única calça estava em frangalhos
— Pequeno Polegar sonhador, em minha fuga eu ia
Desfiando rimas e sob a Ursa Maior adormecia,
Ouvindo no céu o doce rumor das estrelas.

Sentado à beira das estradas eu as ouvia,
Belas noites de Setembro em que eu sentia
O orvalho em meu rosto como um vinho forte;

Quando compondo em meio a sombras fantásticas,
Como uma lira eu puxava os elásticos
De meus sapatos gastos, um pé junto ao meu peito!
~
“Sensation”.
Pas les beaux soirs d’été, j’irai dans les sentiers
Picoté par les blés, fouler l’herbe menue:
Rêveur, j’en sentirai la fraîcheur à mes pieds:
Je laisserai le vent baigner ma tête nue.

Je ne parlerai pas, je ne penserai rien…
Mais un amour immense entrera dans mon âme,
Et, j’irai loin, bien loin; comme un bohémien
Par la Nature, — heureux comme avec une femme!
(1870)

Nas belas tardes de verão, pelas estradas irei,
Roçando os trigais, pisando a relva miúda:
Sonhador, a meus pés seu frescor sentirei:
E o vento banhando-me a cabeça desnuda.
Nada falarei, não pensarei em nada:
Mas um amor imenso me irá envolver,
E irei longe, bem longe, a alma despreocupada,
Pela Natureza — feliz como com uma mulher.

domingo, 14 de fevereiro de 2010

VERLAINE (DECADENTISTA/SIMBOLISTA)

LASSIDÃO

Ah, por favor, doçura, doçura, doçura!
Acalma esses arroubos febris, minha bela.
Mesmo em grandes folguedos, a amante só deve
Mostrar o abandono calmo da irmã pura.

Sê lânguida, adormece-me com os teus afagos,
Iguais aos teus suspiros e ao olhar que embala.
O abraço do ciúme, o espasmo impaciente
Não valem um só beijo, mesmo quando mente!

Mas dizes-me, criança, em teu coração de ouro
A paixão mais selvagem toca o seu clarim!...
Deixa-a trombetear à vontade, a impostora!

Chega essa testa à minha, a mão também, assim,
E faz-me juramentos pra amanhã quebrares,
Chorando até ser dia, impetuosa amada!

Paul Verlaine, in "Melancolia" Tradução de Fernando Pinto do Amaral

CHANSON D'AUTOMNE

Les sanglots longs
Des violons
De l'automne
Blessent mon coeur
D'une langueur
Monotone.

Tout suffocant
Et blême, quand
Sonne l'heure,
Je me souviens
Des jours anciens
Et je pleure.
Et je m'en vais
Au vent mauvais
Qui m'emporte
Deçà, delà,
Pareil à la
Feuille morte.

CANÇÃO DO OUTONO

Tradução: Alphonsus de Guimaraens
Os soluços graves
Dos violinos suaves
Do outono
Ferem a minh'alma
Num langor de calma
E sono.

Sufocado, em ânsia,
Ai! quando à distância
Soa a hora,
Meu peito magoado
Relembra o passado
E chora.
Daqui, dali, pelo
Vento em atropelo
Seguido,
Vou de porta em porta,
Como a folha morta
Batido...

VERSOS PARA SER CALUNIADO A Charles Vignier

Debrucei me esta noite sobre o teu sono.
Dormia o corpo casto sobre o lençol
E vi, como alguém que lesse, estudioso,
Ah! vi que tudo é vão sob a luz do sol!

Estarmos vivos, ó que rara maravilha,
Como o nosso organismo é flor que se dobra!
Ó pensamento que levas ao delírio!Dorme, vá!
Quanto a mim, este assombro acorda me,

Ah, desgraça de te amar, frágil amante;
Respiras como se respira um instante!
Ó olhar fechado que à morte é igual!

Ó boca a rir em sonhos na minha boca,
À espera de outra gargalhada mais louca!
Depressa, acorda. Ouve, a alma é imortal!

(Dantes e Outrora)(tradução de Fernando Pinto do Amaral)

sábado, 13 de fevereiro de 2010

OFÍCIO DE VIVER - CESARE PAVESE (1908-1950)


Não há dúvida de que é inútil e prejudicial lamentarmos-nos perante o mundo. Resta saber se não é igualmente inútil e prejudicial lamentarmos-nos perante nós próprios. Evidentemente. De facto, ninguém se lamentará perante si próprio, a fim de se incitar à piedade, o que nada significaria, dado que a piedade é, por definição, o voluptuoso encontro de dois espíritos. Para quê, então? Não para obter favores, porque o único favor que um espírito pode fazer a si próprio é conceder-se indulgência, e toda a gente percebe quanto é prejudicial que a vontade seja indulgente para com a sua própria e lamentável fraqueza. Resta a hipótese de o fazermos para extrair verdades do nosso coração amolecido pela ternura. Mas a experiência ensina que as verdades surgem apenas em virtude de uma pacata e severa busca, que surpreende a consciência numa atitude inesperada e a vê, como de um filme que parasse de repente, estupefacta, mas não emocionada. Basta, portanto.

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

AMOR (LIVRO DO DESASSOSSEGO-BERNARDO SOARES)


Estou-te esperando, em devaneio, no nosso quarto com duas portas, e sonho-te vindo e no meu sonho entras até mim pela porta da direita; se, quando entras, entras pela porta da esquerda, há já uma diferença entre ti e o meu sonho. Toda a tragédia humana está neste pequeno exemplo de como aqueles com quem pensamos nunca são aqueles em quem pensamos.
O amor perde identidade na diferença, o que é impossível já na lógica, quanto mais no mundo. O amor quer possuir, quer tornar seu o que tem de ficar fora para ele saber que só torna seu se não é. Amar é entregar-se. Quanto maior a entrega, maior o amor. Mas a entrega total entrega também a consciência do outro. O amor maior é por isso a morte, ou o esquecimento, ou a renúncia — os amores todos que são os absurdiandos do amor.
No terraço antigo do palácio, alçado sobre o mar, meditaremos em silêncio a diferença entre nós. Eu era príncipe e tu princesa, no terraço à beira do mar. O nosso amor nascera do nosso encontro, como a beleza se criou do encontro da Lua com as águas.
O amor quer a posse, mas não sabe o que é a posse. Se eu não sou meu, como serei teu, ou tu minha? Se não possuo o meu próprio ser, como possuirei um ser alheio? Se sou já diferente daquele de quem sou idêntico, como serei idêntico daquele de quem sou diferente.
O amor é um misticismo que quer praticar-se, uma impossibilidade que só é sonhada como devendo ser realizada.
Metafísico. Mas toda a vida é uma metafísica às escuras, com um rumor de deuses e o desconhecimento da rota como única via.




(excerto do LIVRO DO DESASSOSSEGO - BERNARDO SOARES)