Escrevo tão diversamente
Que, pouca ou muita a valia
Dos poemas, ninguém diria
Que o poeta é um somente.
Pessoa foi uma pluralidade singular e esteve acompanhado por várias personagens que ele criou, todos eles tinham uma assinatura e alguns se corresponderam mutuamente.
Ocorria-lhe um pensamento que logo ligava a determinada pessoa irreal, como sendo um amigo, inventando um nome, acrescentando história e figura – cara, estatura, traje, gestos – ele estava ali à sua frente.
Assim teve vários amigos e conhecidos que nunca existiram, mas que ouvia, vi-a e senti-a. Desde criança que inventou os seus amigos imaginários.
Álvaro de Campos disse sobre Mora: era uma soma de veleidades especulativas. Passava a vida a mastigar Kant e a tentar ver com o pensamento se a vida tinha sentido.
Um discípulo de Alberto Caeiro: indeciso, como todos os fortes, não tinha encontrado a verdade, ou o que para ele fosse a verdade. Encontrou Caeiro e encontrou a verdade. Caeiro deu-lhe a alma que ele não tinha.
A lista de obras pensadas para António Mora é muito vasta. Autor de vários textos sociológicos e filosóficos, um louco que revive a Grécia Antiga, mas depois perde-se no turbilhão pessoano.
Seu único poema:
Uma coisa queremos
Outra fazemos.
Quem quer somos nós sós
Quem faz não somos nós.
Quem somos tem o intuito
Quem não somos o fruto
Alheio à intenção.
Todos não são quem são.
Nem génio único, nem louco múltiplo ou esquizofrénico, é possível ser genial sendo muitos, é possível ser muitos sem estar doido, embora a criação comporte um quantum de loucura. Pessoa foi múltiplo, mas senhor da sua multiplicidade, numa «ruidosa solidão».