O importante não é aquilo que fazem de nós, mas o que nós mesmos fazemos do que os outros fizeram de nós.
JEAN-PAUL SARTRE

terça-feira, 17 de janeiro de 2012

MARY KINGSLEY – A RAINHA AFRICANA

Enfrentou a desconhecida África Ocidental, foi a responsável pelos mais importantes estudos de campo realizados na área, e tudo sem nunca renunciar à sua indumentária vitoriana.
Será que o escritor Cecil Scott Forester, autor de «A Rainha Africana» conheceu Mary Kingsley, quando criou a personagem de Rose Sayer, interpretada no cinema por Katharine Hepburn? A rígida e puritana solteirona que viveu com o irmão numa missão perdida na selva, tem muito em comum com Mary Kingsley, a exploradora inglesa, nascida em 1862, também solteirona e disposta a enfrentar todas as adversidades.
No século XIX, o interior de África era ainda uma terra incógnita e, eram poucos os europeus, que se aventuravam a viajar, por aquelas regiões remotas povoadas de «animais ferozes, canibais e uma natureza indomável».
Mary, ao contrário das suas contemporâneas, viaja com pouca bagagem, recusa ser transportada, só contrata bagageiros quando é imprescindível, cruza pântanos a nado, aprende a manobrar sozinha uma piroga, dorme ao «ar livre» e come a comida dos selvagens, os seus únicos luxos são uma almofada e o chá.
Kingsley realizou os estudos de campo mais completos até então na África Ocidental, além de ter criticado alguns colonialistas e missionários acusando-os de forçar os nativos a aceitar uma cultura branca «asquerosa e em segunda mão». Mas antes teve de enfrentar aqueles que não aceitavam que uma mulher pudesse ir além dos limites do lar e que rotulavam o seu comportamento como «pecaminoso e antinatural».
Ninguém podia imaginar que um inquieto espírito aventureiro se escondesse por detrás de uma tranquila mulher solteirona dedicada às tarefas domésticas e a cuidar de uma mãe doente e de um irmão mais novo. Mary, filha de um médico e de uma «criada», não conheceu até aos 30 anos mais mundo do que o das quatro paredes de sua casa. Educou-se de maneira autodidacta, devorando os livros da biblioteca paterna e consultando mapas de países remotos.
Quando ficou sem encargos familiares, depois da morte dos pais e do irmão ter partido para o Oriente, partiu para a África Ocidental. «Parti para África para morrer, a África divertiu-me, foi amável comigo e não quis matar-me imediatamente». Mary dirigiu-se rumo ao golfo de Benim, conhecido então como «o túmulo do homem branco».
Mary viajou a bordo de cargueiros que faziam intermináveis escalas em todos os portos, alojou-se em missões remotas e dormiu ao ar livre em canoas. Teve de se haver com leopardos, crocodilos e gorilas enquanto atravessava sozinha territórios por cartografar. A interminável lista de mortíferas e exóticas doenças as quais se expôs teriam feito empalidecer o viajante mais experiente.
A primeira viagem foi a bordo do cargueiro Lagos, em 1893, e visitou, entre outras terras, a Serra Leoa, a Libéria, a Costa do Ouro, o Benim, os Camarões e Angola. Quando os europeus que encontrava, lhe perguntavam que fazia uma mulher sozinha naquelas latitudes ela respondia que procurava o marido desaparecido na selva.
Ao fim de seis meses regressou viva e com uma boa colecção de peixes e escaravelhos que recolheu para o Museu Britânico. Decidida a conseguir novas espécies de peixes de água doce procedentes dos rios Congo e Niger, partiu outra vez, rumo a Calabar. Desta vez visitou a ilha de Fernando Pó e realizou um minucioso estudo sobre a etnia bubi. Durante esta longa viagem, como não tinha financiamento algum, dedicou-se ao comércio com os nativos, trocando panos, rum e anzóis por víveres, alojamento e peixes para a colecção.
Quando chegou ao Congo, subiu o imponente rio Oguooué na companhia de carregadores e instalou o seu centro de operações na missão de Lambarené. A partir de lá visitou os temidos canibais, que devem ter ficado boquiabertos ante a presença de uma mulher vestida daquela maneira e que se arriscava a pescar nos pântanos, rodeada de insectos e crocodilos.
Antes de chegar a Inglaterra chegou ao topo do Monte Camarões por uma via até então desconhecida, sem qualquer experiência em montanhismo.
Nessa altura já era uma celebridade em Londres e o seu livro mais famoso «Travels in West Africa», transformou-se rapidamente num êxito de vendas. Todos queriam conhecê-la e tinha inúmeros convites para conferências. E ela gostava de contar as suas histórias, como a daquela vez em que saiu de um rio com uma colecção espantosa de sanguessugas à volta do seu pescoço ou quando afugentou um hipopótamo que tentava voltar-lhe o barco e lhe acariciou a orelha com a ponta da sobrinha. Era difícil conter o riso perante aquela mulher pequena e apertada num corpete que contava, muito séria, as suas viagens.
Mary Kingsley não morreu na sua amada costa da África Ocidental, como teria gostado, mas na África do Sul, onde trabalhou como enfermeira a cuidar dos prisioneiros boers. Morreu com 39 anos, vítima de uma doença tropical, e o seu único desejo foi que atirassem o seu corpo ao mar. Nunca pensou ter feito nada de outro mundo, embora tenha tido a admiração, entre outros, de Rudyard Kipling, o autor de «O Livro da Selva», que a apontava como a mulher mais corajosa que alguma vez tinha conhecido

Fonte: MORATÓ, Cristina, Viajeras Intrepidas y Aventureras (ed. Plaza y Janés)

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