O importante não é aquilo que fazem de nós, mas o que nós mesmos fazemos do que os outros fizeram de nós.
JEAN-PAUL SARTRE

terça-feira, 10 de agosto de 2010

SIMBOLISMO

Movimento artístico, que surgiu em França no século XIX, opondo-se ao Realismo, ao Naturalismo e ao Positivismo da época.
Esta corrente teve a adesão, de escritores e também de pintores e foi influenciada pelo misticismo e pelo orientalismo.
Como tudo que é novo houve contestação, o simbolismo foi chamado de decadentismo, que aludia à decadência dos valores estéticos existentes e uma afectação dos mesmos. Em 1886, um manifesto formalizou a nova corrente: SIMBOLISMO.

Embora vários artistas tivessem aderido a esta corrente, predominava entre os mesmos o individualismo. Uma característica, no entanto era abrangente: o subjectivismo, os artistas procuram o mais profundo do «eu», o inconsciente, o sonho. Este vector pode ter uma aproximação ao passado movimento romântico e até ao futuro movimento surrealista, de «grosso modo». Ênfase no imaginário e na fantasia. Para interpretar a realidade, os simbolistas valem-se da intuição e não da razão ou da lógica. Preferem o vago, o indefinido, o impreciso.
Tendo surgido paralelamente ao neo-impressionismo de Georges Seurat e de Paul Signac, o simbolismo apresenta-se como mais uma tentativa de superação da pura visualidade defendida pelo impressionismo. Porém enquanto o divisionismo de Seurat e Signac, se baseia em leis científicas de visão, o simbolismo segue uma trilha espiritualista e anticientífica. Se o impressionismo fornece sensações visuais, o simbolismo almeja apreender valores transcendentes - o Bem, o Belo, o Verdadeiro, o Sagrado - que se encontram no pólo oposto ao da razão analítica.
Oriundo do impressionismo, Paul Gauguin deixou-se influenciar pelas pinturas japonesas que apareceram na Europa e abandonou as técnicas ainda vigentes nas telas do movimento onde se iniciou. A temática alegórica passa a dominar, a partir de 1890. Ao artista não bastava pintar a realidade, mas demonstrar na tela a essência sentimental dos personagens - e em Gauguin isto levou a uma busca tal pelo primitivismo que o próprio artista abandonou a França e foi morar com os nativos da Polinésia francesa.





A "pintura literária" de Gustave Moreau e Pierre Puvis de Chavannes, por exemplo, focaliza civilizações e mitologias antigas, com o auxílio de imagens místicas, tratadas com forte sensualidade, como, A Aparição, ca.1875.
APARICÃO de GUSTAVE MOREAU

Salomé com seu corpo adornado e atraente, aponta para a cabeça degolada de João Baptista.
Referência ao episódio bíblico, no qual Salomé é apontada como responsável pela execução de João Batista, a cena parece querer associar o acto de matar o amado e ver o seu sangue escorrer com uma compulsão erótica feminina associada à histeria e à encarnação de Eros e Thanatos.

Mestre da cor, o artista soube representar uma mulher de beleza rara, com traços de anjo e pele aveludada, cobertas apenas por ousadas transparências. A luz foi utilizada por Moreau para obter essa atmosfera ao mesmo tempo mística e mágica, que caracterizou a pintura simbolista.

Odilon Redon, explora, em desenhos e litografias, diversos temas fantásticos, sob inspiração da literatura de Edgar Allan Poe.


Tendo a sua origem em França, o simbolismo, converteu-se imediatamente num fenómeno europeu. Na Áustria, a obra de Gustav Klimt é emblemática da associação entre fórmulas decorativas e temáticas simbolistas, como indicam, por exemplo, as figuras femininas, de tom alegórico e forte sensualidade, visto no Retrato de Corpo Inteiro de Emilie Flöge, 1902, Judite I, 1901, e As Três Idades da Mulher, 1908, entre outros.



Outros artistas europeus da época, aderem, como por exemplo: o suíço Ferdinand Hodler, destacando-se as obras, O Desapontado, 1890, e Eurritmia, 1895 - e Arnold Böcklin, responsável por telas de tom místico e clima sombrio como, A Ilha dos Mortos, 1880.
A Ilha dos Mortos - Arnold Böcklin

Ou ainda, na Inglaterra, os trabalhos de Aubrey Beardsley - autor das ilustrações da versão inglesa de Salomé, de Oscar Wilde - e das obras esteticistas de sir Edward Coley Burne-Jones.
Os pintores do grupo belga Les Vingt (Les XX) - que reúne
James Ensor, Theodor Toorop e Henri van de Velde - são outros exemplos da expressão europeia simbolista/decadentista. Ensor produziu uma obra povoada de elementos macabros e figuras grotescas, que procura enveredar pelas profundezas do inconsciente.
Christ's Entry into Brussels


A obra do norueguês Edvard Munch, alia-se primeiro ao simbolismo, tornando-se depois um expoente do expressionismo. Munch, confere um sentido mais trágico ao diagnóstico pessimista lançado pelos artistas em relação à sociedade industrial do fim de século. Nesse ponto também se verifica um movimento de arte da realidade exterior para o universo interior, só que os seus trabalhos recusam qualquer sentido de transcendência da arte e do símbolo. As suas obras tematizam a dor, a morte e os estados psicológicos extremos, sem nenhum apelo estetizante - O Grito, 1893, Ansiedade, 1894.
O Grito - Munch




É possível pensar ainda em reverberações simbolistas e decadentistas no grupo francês dos nabis - Aristide Maillol, Pierre Bonnard e Édouard Vuillard - e no expressionismo, de Wassily Kandinsky e Paul Klee.

CONSULTA: GUIA DA HISTÓRIA DE ARTE, SPROCCATI, Sandro, Editorial presença, 4ª. Edição, Lisboa, 1999
(C&H)

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

POEMA DE SIDÓNIO MURALHA


Roteiro
.
Parar. Parar não paro.
Esquecer. Esquecer não esqueço.
Se carácter custa caro
pago o preço.
.
Pago embora seja raro.
Mas homem não tem avesso
e o peso da pedra eu comparo
à força do arremesso.
.
Um rio, só se fôr claro.
Correr, sim, mas sem tropeço.
Mas se tropeçar não paro
- não paro nem mereço.
.
E que ninguém me dê amparo
nem me pergunte se padeço.
Não sou nem serei avaro
- se carácter custa caro
pago o preço.
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Sidónio Muralha, "Poemas" Editorial Inova, Porto, p.196
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SOBRE SIDÓNIO MURALHA AQUI

sábado, 7 de agosto de 2010

MILENA JESENKÁ E MARGUERETE BUBER-NEUMANN – CONTEMPORÂNEAS NOS BÁRBAROS ANOS 30 E 40 DO SÉCULO XX

Foi através do livro Milena, escrito por Margarete Buber-Neumann, que conheci melhor Milena Jesenská. O livro, descreve de uma forma impressionante a vida no campo de concentração de Ravensbrück, na Alemanha, onde as duas se conheceram e se tornaram amigas íntimas. Tinham prometido escrever um livro juntas, sobre tão dura e cruel experiência, mas só Margarete conseguiu escapar viva. Milena acabou por morrer, com 47 anos, devido a problemas de rins. O livro Milena é um testemunho, difícil de esquecer, aliás todo o processo do Holocausto. Milena e Margareth, também tiveram a sua experiência comunista, na época do sanguinário Staline.


MILENA JESENSKÁ (1896-1944)


Milena Jesenská, nasceu em Praga no seio de uma família aristocrática. Fez os estudos normais e depois por influencia do pai que era médico, começou a estudar medicina, mas depressa abandonou. Casou, contra a vontade do pai, já que a sua mãe tinha morrido quando ela tinha 16 anos, com o escritor austríaco, Ernst Pollak e foram viver para Viena. Como o casamento se tornou insuportável, devido às constantes traições do marido, Milena procurou a sua independência, inicialmente com muitas dificuldades, tornando-se dependente de cocaína, até conseguir fazer traduções e dar aulas de checo.
Em 1919, Milena leu alguns contos do escritor checo de língua alemã Franz Kafka e escreveu-lhe pedindo-lhe autorização para os traduzir para checo. Esta foi a primeira carta de uma apaixonada correspondência, entre ambos, que durou dois anos (1920 –1922). Pessoalmente só se encontraram duas vezes. 4 dias passados em Viena e um dia em Gmünd. O relacionamento acabou, Milena não teve coragem de deixar Ernest, mas também foi preponderante o conhecimento de que Kafka não ia viver muito, com um adiantado estado de tuberculose, além disso seria sempre um companheiro problemático, com os seus medos mórbidos, mesmo a nível de sexo e da sua extrema sensibilidade. Kafka no entanto confiava totalmente em Milena, dando-lhe a ler todos os seus diários. Quando Kafka morreu, em 1924, Milena escreveu um orbituário onde dizia: Kafka era muito perspicaz, sábio demais para viver e muito fraco para lutar, ele foi condenado a ver o mundo com uma clareza ofuscante de tal forma que ele achou insuportável.

Durante muitos anos Milena ficou conhecida por ter sido a «apaixonada» de Kafka, devido à edição das cartas que ele lhe escrevera, mas Milena foi muitas outras coisas na vida.
Após a ruptura final com Kafka, ela conseguiu depois deixar o marido.
Foi a partir de 1920, que começou a transformar-se numa reconhecida e original jornalista. Em Viena colaborou para os jornais checos, Tribuna e Národní Listy e para as revistas Pestrý týden e Lidové Noviny. Durante os anos 1938 e 1939 editou no importante semanário cultural e político Přítomnost, publicado em Praga por Ferdinand Peroutka. As suas reportagens, artigos e reflexões, são uma visão original do espírito feminista no jornalismo checo, antes da Segunda Guerra.
Voltando a Praga, casou com o arquitecto, Jaromír Krejcar, de quem vem a ter uma filha. Milena sentia-se feliz com o nascimento de Jana, mas ficou muito doente e a sua vida correu riscos. Tornou-se viciada em morfina, acabou por recuperar, mas ficou com problemas num joelho para toda a vida.
Ambos eram membros do Partido Comunista Checo. Krejcar, foi durante um tempo estudar para a União Soviética e acabaram por se divorciar. Milena colaborou com a imprensa soviética, mas depois gradualmente ficou desencantada com o comunismo soviético e denunciou as purgas, as arbitrariedades, os crimes do stalinismo e a traição que muitos militantes comunistas judeus tinham sofrido. Por outro lado apoiou os refugiados alemães que iam chegando fugidos do regime nazi. Quando Praga foi ocupada pelos alemães, Milena andava pelas ruas com uma estrela ao peito, apesar de não ser judia. Foi presa em 1939, no campo de concentração para mulheres, de Ravensbrück, onde se tornou enfermeira e acabou por morrer de doença.

MARGARETE BUBER-NEUMANN (1901-1989)



Buber-Neumann, foi na sua juventude uma activista em organizações de juventude socialista. Depois da Primeira Guerra, tornou-se mais radical e aderiu ao recém-criado Partido Comunista Alemão (KPD). Em 1922 casou com Rafael Buber, filho do filósofo comunista Martin Buber. Divorciaram-se em 1929 e Margareth casou com o líder comunista alemão Heinz Neumann. Quando os nazistas chegaram ao poder em 1933, os Neumanns exilaram-se na União Soviética. Durante a década de 1930, trabalharam para o Comintern, primeiro em França e, depois em Espanha durante a Guerra Civil Espanhola.
Em 1937, Heinz Neumann foi preso e executado em Moscovo nas purgas de Staline. Margarete nunca soube o seu destino exacto. Ela foi presa e enviado para um campo de trabalho na Sibéria, como uma "mulher de um inimigo do povo". Após o Pacto Nazi-Soviético em 1939, foi uma de uma série de alemães comunistas entregues em 1940 pelos soviéticos à Alemanha nazi.
Buber-Neumann, foi presa em Ravensbrück. Como tinha renunciado ao comunismo, foi uma prisioneira privilegiada e desse modo sobreviveu a cinco anos de prisão. Trabalhou como secretária de um oficial alemão, mas como todas as outras prisioneiras passou fome, frio, doenças, pragas, castigos corporais e períodos de enclausuramento na solitária, em escuridão completa. Foi libertada em 1945.
Depois II Guerra Mundial Buber-Neumann passou alguns anos na Suécia, retornando para a Alemanha em 1950. Em 1948, publicou Als Gefangene bei Stalin und Hitler ( "Entre dois ditadores: Prisioneira de Stalin e Hitler"), um relato dos seus anos nos campos soviéticos e nazistas, o que despertou a hostilidade dos comunistas soviéticos e alemães. Em 1949, testemunhou em Paris, a favor de Victor Kravchenko, que processou uma revista ligada ao Partido Comunista Francês por difamação.
Buber-Neumann depois publicou: Von Potsdam nach Moskau: Stationen eines Irrweges ("De Potsdam a Moscovo: Estações de um Erring Way"), a biografia de Milena Jesenska, Kafkas Freundin Milena e Die Flamme erloschene: Schicksale meiner Zeit ( "A Chama Extinta: Factos do meu tempo"), no qual argumentou que o nazismo e o comunismo foram, na prática, a mesma coisa. Por esta altura (1975) tinha-se tornado uma política conservadora, juntando-se à União Democrata-Cristã (CDU).
Em 1980 Buber-Neumann foi premiada com o Grã-Cruz do Mérito da República Federal da Alemanha. Morreu em Frankfurt am Main em 1989.
C&H (diversas consultas na internet)

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

DESEJOS VÃOS

(google - desconheço nome do pintor)



Eu queria ser o Mar de altivo porte
Que ri e canta, a vastidão imensa!
Eu queria ser a Pedra que não pensa,
A pedra do caminho, rude e forte!
.
Eu queria ser o Sol, a luz imensa,
O bem do que é humilde e não tem sorte!
Eu queria ser a árvore tosca e densa
Que ri do mundo vão e até a morte!
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Mas o Mar também chora de tristeza ...
As árvores também, como quem reza,
Abrem, aos Céus, os braços, como um crente!
.
E o Sol altivo e forte, ao fim de um dia,
Tem lágrimas de sangue na agonia!
E as Pedras ... essas ... pisa-as toda a gente! ...
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Florbela Espanca, in "Livro de Mágoas"

O ANDAIME - FERNANDO PESSOA



O tempo que eu hei sonhado
Quantos anos foi de vida!
Ah, quanto do meu passado
Foi só a vida mentida
De um futuro imaginado!
.
Aqui à beira do rio
Sossego sem ter razão.
Este seu correr vazio
Figura, anónimo e frio,
A vida vivida em vão.
.
A esperança que pouco alcança!
Que desejo vale o ensejo?
E uma bola de criança
Sobre mais que minha esperança,
Rola mais que o meu desejo.
.
Ondas do rio, tão leves
Que não sois ondas sequer,
Horas, dias, anos, breves
Passam — verduras ou neves
Que o mesmo sol faz morrer.
.
Gastei tudo que não tinha.
Sou mais velho do que sou.
A ilusão, que me mantinha,
Só no palco era rainha:
Despiu-se, e o reino acabou.
.
Leve som das águas lentas,
Gulosas da margem ida,
Que lembranças sonolentas
De esperanças nevoentas!
Que sonhos o sonho e a vida!
.
Que fiz de mim? Encontrei-me
Quando estava já perdido.
Impaciente deixei-me
Como a um louco que teime
No que lhe foi desmentido.
.
Som morto das águas mansas
Que correm por ter que ser,
Leva não só lembranças — Mortas,
porque hão de morrer.
.
Sou já o morto futuro.
Só um sonho me liga a mim — O sonho
atrasado e obscuro
Do que eu devera ser — muro
Do meu deserto jardim.
.
Ondas passadas, levai-me
Para o olvido do mar!
Ao que não serei legai-me,
Que cerquei com um andaime
A casa por fabricar.
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Fernando Pessoa, in "Cancioneiro"

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

BERTOLT BRECHT (1898-1956)



Discutido, criticado, atacado, perseguido. Brecht lutou durante toda a sua vida pelos oprimidos. Claramente assumiu posições de esquerda e procurou colocar a luta de classes em tudo que escreveu. Nunca de forma dogmática. Sempre buscando a dúvida dialéctica.
Brecht nasceu, no dia 10 de Fevereiro de 1898. Como ele mesmo disse, viveu em tempos negros: viu a 1ª. Grande Guerra, viu a Revolução ser massacrada na Alemanha e seus líderes serem barbaramente assassinados, assim como milhares de operários e também as lideranças sindicais.Viu a fome nos anos 20, viu a ascensão de Hitler, viu a perseguição. Em 1933 viu o incêndio do Parlamento Alemão - o Reichstag - e compreendeu que tinha chegado uma nova era. Sabia que os próprios nazistas tinham colocado fogo no parlamento e colocado a culpa nos comunistas. As perseguições iam aumentar. Era hora de fugir.A partir daí fugiu de país em país, sabendo sempre que não era bem-vindo. Finalmente nos Estados Unidos sentiu na carne o que era a Caça às Bruxas. O anti-comunismo estava mais forte do que nunca no país que se dizia a terra da liberdade.Apesar de todas as perseguições, Brecht nunca parou de escrever. Escreveu de tudo: poesia, teatro, ensaios, roteiros de cinema. Mas apesar de a sua produção ser enorme tinha grandes dificuldades para sobreviver e sempre com o constante rótulo de comunista.Depois do fim da guerra voltou para a Alemanha, mas sabia que ela não era mais a mesma: era o tempo das duas Alemanhas. Num curto período de tempo finalmente Brecht teve o seu teatro e o seu colectivo de trabalho: o
Berliner Ensemble. Em 1954 o Berliner Ensemble fez a sua primeira grande viagem pela Europa, e a partir daí o nome de Bertolt Brecht, passou a ser um dos nomes mais importantes para o teatro no século XX.
Brecht, tornou-se muito conhecido como dramaturgo, escreveu mais de meia centena de peças, como por exemplo:
Baal, Tambores na Noite, O Casamento do Pequeno Burguês, A Excepção e a Regra, Os Sete Pecados Capitais, Terror e Miséria no Terceiro Reich, Os Fuzis da Senhora Carrar, Galileo Galilei, Mãe Coragem e seus Filhos, Schweik na Segunda Guerra Mundial, O Círculo de Giz Caucasiano, entre outras.Tornou-se relevante para o teatro até aos nossos dias, as suas peças estão regularmente em cena em todo o mundo.
Também o género cabaret, o tornou famoso. A parceria Kurt Weill-Bertold Brecht, na Alemanha dos anos 1920-1930, foi frutuosa. Bertolt Brecht revolucionou a linguagem teatral colocando o seu teatro ao serviço da desmistificação. Exigia, em primeiro lugar, que o actor mostrasse o personagem e não apenas o representasse. No mundo da música, este espírito instalou-se principalmente nas suas parcerias com os compositores Kurt Weill e Hanns Eisler.
Com Kurt Weill, Brecht criou um vasto e original universo musical que nos revela muito sobre a agitação social, política e cultural que impregnava a atmosfera da Berlim na época da República de Weimar. Weill imprimia à sua escrita musical uma ampla referência à música popular tocada nos clubes nocturnos e cabarés das esfumaçadas noites de Berlim, enquanto o texto de Brecht funcionava como uma poderosa arma de crítica social.
Três obras bem significativas da parceria Weill-Brecht,
“A ópera dos 3 vinténs” “Ascensão e queda da cidade de Mahagonny” (“Aufstieg und Fall der Stadt Mahagonny”) e “Happy End”. Também escreveu muita poesia.
Morreu com 58 anos no dia 14 de Agosto de 1956.


CONSULTA: AQUI

AS BOAS ACÇÕES

.
Esmagar sempre o próximo

não acaba por cansar?

Invejar provoca um esforço

que incha as veias da fronte.

A mão que se estende naturalmente

dá e recebe com a mesma facilidade.

Mas a mão que agarra com avidez

rapidamente endurece.

Ah! que delicioso é dar!

Ser generoso que bela tentação!

Uma boa palavra brota suavemente

como um suspiro de felicidade!

.

.
I
.
Eu vivo em tempos sombrios.

Uma linguagem sem malícia

é sinal de estupidez,

uma testa sem rugas

é sinal de indiferença.

Aquele que ainda ri

é porque ainda não

recebeu a terrível notícia.
Que tempos são esses, quando

falar sobre flores é quase um crime.

Pois significa silenciar sobre tanta injustiça?

Aquele que cruza tranquilamente a rua

já está então inacessível aos amigos

que se encontram necessitados?
É verdade: eu ainda ganho o bastante para viver.

Mas acreditem: é por acaso.

Nado do que eu faço

Dá-me o direito de comer quando eu tenho fome.

Por acaso estou sendo poupado.

(Se a minha sorte me deixa estou perdido!)
Dizem-me: come e bebe!

Fica feliz por teres o que tens!

Mas como é que posso comer e beber,

se a comida que eu como,

eu tiro de quem tem fome?

se o copo de água que eu bebo,

faz falta aquem tem sede?

Mas apesar disso, eu continuo comendo e bebendo.
.II
.
Nos livros antigos está escrito o que é a sabedoria:

Manter-se afastado dos problemas do mundo

e sem medo passar o tempo que se tem para

viver na terra;

Seguir seu caminho sem violência,

pagar o mal com o bem,

não satisfazer os desejos, mas esquecê-los.

Sabedoria é isso!

Mas eu não consigo agir assim.

É verdade, eu vivo em tempos sombrios!
Eu vim para a cidade no tempo da desordem,

quando a fome reinava.

Eu vim para o convívio dos homens no tempo

da revolta

e me revoltei ao lado deles.

Assim se passou o tempo

que me foi dado viver sobre a terra.

Eu comi o meu pão no meio das batalhas,

deitei-me entre os assassinos para dormir,

Fiz amor sem muita atenção

e não tive paciência com a natureza.

Assim se passou o tempo

que me foi dado viver sobre a terra.
.III
.
Vocês, que vão emergir das ondas

em que nós perecemos,

pensem,

quando falarem das nossas fraquezas,

nos tempos sombrios

de que vocês tiveram a sorte de escapar.
Nós existíamos através da luta de classes,

mudando mais seguidamente de países que de

sapatos, desesperados!

quando só havia injustiça e não havia revolta.
Nós sabemos:o ódio contra a baixeza

também endurece os rostos!

A cólera contra a injustiça

faz a voz ficar rouca!

Infelizmente, nós,

que queríamos preparar o caminho para a amizade,

não pudemos ser, nós mesmos, bons amigos.

Mas vocês, quando chegar o tempo

em que o homem seja amigo do homem,

pensem em nós

com um pouco de compreensão.

.


.
1
.

De que serve a bondade

Se os bons são imediatamente liquidados,

ou são liquidados

Aqueles para os quais eles são bons?

De que serve a liberdade

Se os livres têm que viver entre os não livres?

De que serve a razão

Se somente a desrazão consegue o alimento de que todos necessitam?
.
2
.

Em vez de serem apenas bons, esforcem-se

Para criar um estado de coisas que torne possível a bondade

Ou melhor: que a torne supérflua!

Em vez de serem apenas livres, esforcem-se

Para criar um estado de coisas que liberte a todos

E também o amor à liberdade

Torne supérfluo!

Em vez de serem apenas razoáveis, esforcem-se

Para criar um estado de coisas

que torne a desrazão de um indivíduo

Um mau negócio.


.
Quem construiu Tebas, a das sete portas?

Nos livros vem o nome dos reis,

Mas foram os reis que transportaram as pedras?

Babilónia, tantas vezes destruída,

Quem outras tantas a reconstruiu?

Em que casas

Da Lima Dourada moravam seus obreiros?

No dia em que ficou pronta a Muralha da China para onde

Foram os seus pedreiros?

A grande Roma

Está cheia de arcos de triunfo.

Quem os ergueu?

Sobre quem

Triunfaram os Césares?

A tão cantada Bizâncio

Só tinha palácios

Para os seus habitantes?

Até a legendária Atlântida

Na noite em que o mar a engoliu

Viu afogados gritar por seus escravos.
O jovem Alexandre conquistou as Índias

Sozinho?

César venceu os gauleses.

Nem sequer tinha um cozinheiro ao seu serviço?

Quando a sua armada se afundou

Filipe de Espanha

Chorou.

E ninguém mais?

Frederico II ganhou a guerra dos sete anos

Quem mais a ganhou?
Em cada página uma vitória.

Quem cozinhava os festins?

Em cada década um grande homem.

Quem pagava as despesas?
Tantas histórias

Quantas perguntas

.

O ANALFABETO POLÍTICO
.
O pior analfabeto

é o analfabeto político.

Ele não ouve, não fala,

nem participa dos acontecimentos políticos.

Ele não sabe que o custo da vida,

o preço do feijão, do peixe, da farinha,

do aluguer, do sapato e do remédio

dependem das decisões políticas.

O analfabeto político

é tão burro que se orgulha

e estufa o peito dizendo

que odeia a política.

Não sabe o imbecil que,

da sua ignorância política

nasce a prostituta, o menor abandonado

e o pior de todos os bandidos:

O político vigarista,

pilantra, corrupto e lacaio

das empresas nacionais e multinacionais.

MAIS POEMAS: AQUI

POEMAS ERÓTICOS: AQUI


C&H

domingo, 1 de agosto de 2010

FRANCISCO GOYA (1746-1828) - UM PINTOR DIFERENTE

Francisco José de Goya y Lucientes nasceu em Saragoça e com 17 anos foi para Madrid, pintar «cartões» de tapeçaria para decorar os palácios reais. Cenas rústicas e populares em cores garridas, como os reis gostavam. Depois foi para Itália, então centro artístico europeu, mas não se submeteu ao estilo reinante do neoclassicismo.
Quando casou com Josefa Bayeu, irmã do pintor da corte, Francisco Bayeu, começou a fazer retrato e granjeou a admiração real. Recebeu salário elevado e com direito a carruagem própria. Em 1786 ganhou o título de pintor régio e com a morte do cunhado em 1795, passou a Director da Real Academia e a pintor principal da corte. A mulher foi um trampolim na sua vida, tiveram seis filhos, mas só um sobreviveu à infância.
A corte madrilena, ministros, académicos, militares, queria ser pintada por Goya e ele cobrava bem. Foi um pintor psicológico, arrumando com o academismo para o lado. Não era amável, era bem severo, mas ninguém se queixava. Goya pintou a nobreza, como a via, grotesca, com poses petulantes. As suas pinturas são trocistas, como por exemplo o quadro A Familia real de Carlos IV, o rei aparece corado como um saloio, a odiada rainha Maria Luísa (amante de Godoy) está afastada do seu marido, numa alusão evidente à sua traição e o futuro Fernando VII, rei absolutista, destaca-se em pose arrogante. Goya expressa nas expressões a vaidade, a fealdade, a ganância e a vacuidade. Nenhum pintor da corte fez tal coisa, nem nenhum outro voltaria a fazer.



Seria Goya um partidário dos ideais iluministas da Revolução Francesa? Goya jogou com o poder até ao fim dos seus dias, sem perder o estatuto, nem o salário. Quem quer que passasse pelo governo era eternizado por ele. Não foram excepção Joseph Bonaparte, imposto no trono espanhol, pelo seu irmão Napoleão Bonaparte ou Godoy, amante da rainha, odiado em Espanha, mas que era Comandante Supremo das Forças Espanholas e que venceu os portugueses na Guerra das Laranjas (prelúdio da Guerra Peninsular). Goya pintou-o trajando como um rei, soberbo entre simbólicos cavalos no campo de batalha, com a bandeira portuguesa, arremessada para um canto, um bastão entre as pernas, que pode significar as suas incursões na cama da rainha. Goya e o seu irresistível cinismo.
Goya foi passar um Verão em Andaluzia, na propriedade da Duquesa D. Cayetana de Alba. Pelos desenhos que fez nessa altura, advinha-se que tenha havido uma paixão. Os historiadores de arte, não enveredam por esses caminhos privados, mas o estranho é que a Duquesa de Alba, morreu 5 anos depois, súbita e misteriosamente, tinha 40 anos. Há quem ponha a hipótese de envenenamento ou de assassínio. O historiador Manuel Ayllón, no livro O ENIGMA DE GOYA, refere que a Condessa mantinha correspondência com a rainha Maria Luísa e tinha em sua posse uma carta, em que a Rainha dizia que Fernando VII, era filho de um amante, o que punha em causa a sucessão real.
Goya, tinha um estilo muito pessoal, antecipou mesmo vários movimentos artísticos, pela pincelada solta, pela liberdade no uso da espátula, pelos temas abordados. Simbolismo, Expressionismo, surrealismo têm nele um precedente.
Goya foi genial, a partir de certa altura começou a traçar o seu caminho, houve uma reviravolta nas suas graciosas e inofensivas pinturas.
Em 1792, contraiu uma doença séria e desconhecida, transmitida por seu amigo Sebastián Martínez, ficando temporariamente paralítico, parcialmente cego e totalmente surdo. Com a doença, perdeu sua vivacidade, o seu dinamismo, a sua autoconfiança. A alegria desapareceu lentamente das suas pinturas, as cores tornaram-se mais escuras e seu modo de pintar ficou mais livre e expressivo. Ainda mais cáustico, só os retratos de mulheres e crianças o fascinam. Dois retratos de mulheres, executados nessa época, mostram claramente essa qualidade: Doña Antonia Zarate, orgulhosa, erecta, coquete e algo triste; e a Condesa de Chinchón, o mais terno de seus retratos de mulheres, no qual o rosto infantil e a postura frágil dos ombros contrastam com o traje elegantemente pintado.

Muitas conjecturas foram feitas. Que doença? Nervos? Sifílis? Trombose? Intoxicação pelas tintas? E a paixão pela Duquesa de Alba? O horror da Guerra, com a visão traumática da desumanidade? A surdez, a partir dos 46 anos, isolou-o e o tornou mais introspectivo?
Em 1797, Goya pintou a primeira mulher nua, da pintura ocidental, a MAJA DESNUDA, contrapondo A MAJA VESTIDA. Maja não é uma deusa do Olimpo, só as deusas tinham sido representadas nuas, nem está de costas na companhia de um anjo, como o quadro, VÉNUS AO ESPELHO, de Velásquez! D. Francisco pelo feito, foi julgado pela Inquisição, mas devido às relações especiais com a nobreza, escapou.

Trabalhando por conta própria em água-forte, faz desenhos em expressão livre, depois imprimidos em gravuras, a primeira colecção é editada em 1797. Tem por nome OS CAPRICHOS, oitenta estampas oníricas, delirantes, mas profundamente críticas e impiedosas. No frontispício a figura de um artista adormecido sobre uma mesa, tendo à sua volta corujas e morcegos ameaçadores e a legenda: O SONO DA RAZÃO PRODUZ MONSTROS.

Antes dele, artistas medievais tinham pintado cenas apocalípticas, monstros e também isso aconteceu com a pintura religiosa da Renascença, mas Goya não o faz como se fosse castigo divino, mas como algo que surge da sua imaginação e pesadelo. Não são visões de um louco, como muitos disseram, mas o esforço lúcido de reter e transformar em arte os pesadelos e as fantasias que surgem como um libelo acusatório contra a ignorância e a crendice da sociedade de então, na qual a Igreja fomentava de sobremaneira a superstição. As suas visões de Satanás, não mostram o diabo de forma convencional, mas como um bode de toga, acolitado por bruxas com hábitos de freiras, os duendes estão vestidos de frades e comem vorazmente enquanto gigantes e fantasmas bailam, riem e escarnecem da crendice dos homens. De forma subversiva Goya, deixa de lado os heróis e os deuses e fixa-se na vulgaridade das ruas, na idiotice, na brutalidade, na fantasia macabra e grotesca dos homens.
Anos mais tarde vai fazer outra série, OS DISPARATES, onde não deixa passar nada. A traição, o baixo instinto, a cobardia, a devassidão, a avareza, a hipocrisia e a intriga, em corpos deformados, cruzando homens com animais e não faltando as legendas apropriadas. D. Francisco aponta o dedo à sociedade. Nem sátiras à Inquisição faltam!


Numa outra fase, o pintor, devido à guerra, primeiro as invasões francesas e depois a guerra civil, mostra-se revoltado com a sociedade e produz a série de 82 gravuras, dos DESASTRES DE GUERRA, onde faz uma crónica dos assassinatos, das torturas e das violações. Anteriormente as pinturas de guerra, eram para glorificar os vencedores, mas para Goya não há heróis, mostra indiferentemente vencedores e vencidos. Aqui é de lembrar o seu quadro, TRÊS DE MAIO DE 1808, massacre de centenas de civis, mortos pelos franceses e que vai fazer deste quadro um símbolo nacional de resistência espanhola.
Goya ia para a rua pintar mortos e dizia que era para ter o gosto de dizer aos homens que não deviam ser bárbaros. Que mostram as gravuras? Combatentes bradando de terror, velhas a rezar, crianças a chorar, mulheres guerreiras ou amarradas, mortos atirados para o carro dos cadáveres, mutilações, horror, carnificina…um realismo atroz!..
Depois da morte da mulher, Goya viveu até morrer com a jovem Leocádia Weiss, que tem dois filhos, mas não se sabe se são do marido ou de Goya. Devido ao escândalo Goya foi viver para fora da cidade. Comprou uma grande propriedade e pintou grandes murais, que virão a chamar-se PINTURAS NEGRAS, esta será a sua última fase, o cúmulo de todo o seu pessimismo, mas também de uma técnica revolucionária. Desaparece o pormenor, o ambiente, o cenário envolvente, as leis da perspectiva…infringe as regras artísticas e despreza as convenções visuais.
Dois exemplos, O CÂO, vê-se apenas a cabeça de um cão enterrado, o cão talvez procure socorro, mas está num deserto…é o radicalismo do vazio, expressão angustiante do desespero, absolutamente moderno na sua concepção.
No quadro, SATURNO, (em grego Crono) titã mitológico, que sabendo que os filhos o iam destronar, devora-os à nascença, Goya dá-nos uma visão de horror, em pinceladas grossas, um monstro devora uma criança já em sangue, sem cabeça e sem um braço.

Com a subida ao trono de Fernando VII, Goya pede licença real para viajar para França, por questões de saúde. Exila-se em Bordéus, pede a reforma e é agraciado com uma pensão avultada. Morre em 1828, com 82 anos. O seu corpo é enterrado em França, quando os seus restos mortais foram transladados em 1880 para Madrid, descobrem que o corpo não tinha cabeça, várias hipóteses foram postas, mas inconclusivas.
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