O importante não é aquilo que fazem de nós, mas o que nós mesmos fazemos do que os outros fizeram de nós.
JEAN-PAUL SARTRE

domingo, 1 de agosto de 2010

FRANCISCO GOYA (1746-1828) - UM PINTOR DIFERENTE

Francisco José de Goya y Lucientes nasceu em Saragoça e com 17 anos foi para Madrid, pintar «cartões» de tapeçaria para decorar os palácios reais. Cenas rústicas e populares em cores garridas, como os reis gostavam. Depois foi para Itália, então centro artístico europeu, mas não se submeteu ao estilo reinante do neoclassicismo.
Quando casou com Josefa Bayeu, irmã do pintor da corte, Francisco Bayeu, começou a fazer retrato e granjeou a admiração real. Recebeu salário elevado e com direito a carruagem própria. Em 1786 ganhou o título de pintor régio e com a morte do cunhado em 1795, passou a Director da Real Academia e a pintor principal da corte. A mulher foi um trampolim na sua vida, tiveram seis filhos, mas só um sobreviveu à infância.
A corte madrilena, ministros, académicos, militares, queria ser pintada por Goya e ele cobrava bem. Foi um pintor psicológico, arrumando com o academismo para o lado. Não era amável, era bem severo, mas ninguém se queixava. Goya pintou a nobreza, como a via, grotesca, com poses petulantes. As suas pinturas são trocistas, como por exemplo o quadro A Familia real de Carlos IV, o rei aparece corado como um saloio, a odiada rainha Maria Luísa (amante de Godoy) está afastada do seu marido, numa alusão evidente à sua traição e o futuro Fernando VII, rei absolutista, destaca-se em pose arrogante. Goya expressa nas expressões a vaidade, a fealdade, a ganância e a vacuidade. Nenhum pintor da corte fez tal coisa, nem nenhum outro voltaria a fazer.



Seria Goya um partidário dos ideais iluministas da Revolução Francesa? Goya jogou com o poder até ao fim dos seus dias, sem perder o estatuto, nem o salário. Quem quer que passasse pelo governo era eternizado por ele. Não foram excepção Joseph Bonaparte, imposto no trono espanhol, pelo seu irmão Napoleão Bonaparte ou Godoy, amante da rainha, odiado em Espanha, mas que era Comandante Supremo das Forças Espanholas e que venceu os portugueses na Guerra das Laranjas (prelúdio da Guerra Peninsular). Goya pintou-o trajando como um rei, soberbo entre simbólicos cavalos no campo de batalha, com a bandeira portuguesa, arremessada para um canto, um bastão entre as pernas, que pode significar as suas incursões na cama da rainha. Goya e o seu irresistível cinismo.
Goya foi passar um Verão em Andaluzia, na propriedade da Duquesa D. Cayetana de Alba. Pelos desenhos que fez nessa altura, advinha-se que tenha havido uma paixão. Os historiadores de arte, não enveredam por esses caminhos privados, mas o estranho é que a Duquesa de Alba, morreu 5 anos depois, súbita e misteriosamente, tinha 40 anos. Há quem ponha a hipótese de envenenamento ou de assassínio. O historiador Manuel Ayllón, no livro O ENIGMA DE GOYA, refere que a Condessa mantinha correspondência com a rainha Maria Luísa e tinha em sua posse uma carta, em que a Rainha dizia que Fernando VII, era filho de um amante, o que punha em causa a sucessão real.
Goya, tinha um estilo muito pessoal, antecipou mesmo vários movimentos artísticos, pela pincelada solta, pela liberdade no uso da espátula, pelos temas abordados. Simbolismo, Expressionismo, surrealismo têm nele um precedente.
Goya foi genial, a partir de certa altura começou a traçar o seu caminho, houve uma reviravolta nas suas graciosas e inofensivas pinturas.
Em 1792, contraiu uma doença séria e desconhecida, transmitida por seu amigo Sebastián Martínez, ficando temporariamente paralítico, parcialmente cego e totalmente surdo. Com a doença, perdeu sua vivacidade, o seu dinamismo, a sua autoconfiança. A alegria desapareceu lentamente das suas pinturas, as cores tornaram-se mais escuras e seu modo de pintar ficou mais livre e expressivo. Ainda mais cáustico, só os retratos de mulheres e crianças o fascinam. Dois retratos de mulheres, executados nessa época, mostram claramente essa qualidade: Doña Antonia Zarate, orgulhosa, erecta, coquete e algo triste; e a Condesa de Chinchón, o mais terno de seus retratos de mulheres, no qual o rosto infantil e a postura frágil dos ombros contrastam com o traje elegantemente pintado.

Muitas conjecturas foram feitas. Que doença? Nervos? Sifílis? Trombose? Intoxicação pelas tintas? E a paixão pela Duquesa de Alba? O horror da Guerra, com a visão traumática da desumanidade? A surdez, a partir dos 46 anos, isolou-o e o tornou mais introspectivo?
Em 1797, Goya pintou a primeira mulher nua, da pintura ocidental, a MAJA DESNUDA, contrapondo A MAJA VESTIDA. Maja não é uma deusa do Olimpo, só as deusas tinham sido representadas nuas, nem está de costas na companhia de um anjo, como o quadro, VÉNUS AO ESPELHO, de Velásquez! D. Francisco pelo feito, foi julgado pela Inquisição, mas devido às relações especiais com a nobreza, escapou.

Trabalhando por conta própria em água-forte, faz desenhos em expressão livre, depois imprimidos em gravuras, a primeira colecção é editada em 1797. Tem por nome OS CAPRICHOS, oitenta estampas oníricas, delirantes, mas profundamente críticas e impiedosas. No frontispício a figura de um artista adormecido sobre uma mesa, tendo à sua volta corujas e morcegos ameaçadores e a legenda: O SONO DA RAZÃO PRODUZ MONSTROS.

Antes dele, artistas medievais tinham pintado cenas apocalípticas, monstros e também isso aconteceu com a pintura religiosa da Renascença, mas Goya não o faz como se fosse castigo divino, mas como algo que surge da sua imaginação e pesadelo. Não são visões de um louco, como muitos disseram, mas o esforço lúcido de reter e transformar em arte os pesadelos e as fantasias que surgem como um libelo acusatório contra a ignorância e a crendice da sociedade de então, na qual a Igreja fomentava de sobremaneira a superstição. As suas visões de Satanás, não mostram o diabo de forma convencional, mas como um bode de toga, acolitado por bruxas com hábitos de freiras, os duendes estão vestidos de frades e comem vorazmente enquanto gigantes e fantasmas bailam, riem e escarnecem da crendice dos homens. De forma subversiva Goya, deixa de lado os heróis e os deuses e fixa-se na vulgaridade das ruas, na idiotice, na brutalidade, na fantasia macabra e grotesca dos homens.
Anos mais tarde vai fazer outra série, OS DISPARATES, onde não deixa passar nada. A traição, o baixo instinto, a cobardia, a devassidão, a avareza, a hipocrisia e a intriga, em corpos deformados, cruzando homens com animais e não faltando as legendas apropriadas. D. Francisco aponta o dedo à sociedade. Nem sátiras à Inquisição faltam!


Numa outra fase, o pintor, devido à guerra, primeiro as invasões francesas e depois a guerra civil, mostra-se revoltado com a sociedade e produz a série de 82 gravuras, dos DESASTRES DE GUERRA, onde faz uma crónica dos assassinatos, das torturas e das violações. Anteriormente as pinturas de guerra, eram para glorificar os vencedores, mas para Goya não há heróis, mostra indiferentemente vencedores e vencidos. Aqui é de lembrar o seu quadro, TRÊS DE MAIO DE 1808, massacre de centenas de civis, mortos pelos franceses e que vai fazer deste quadro um símbolo nacional de resistência espanhola.
Goya ia para a rua pintar mortos e dizia que era para ter o gosto de dizer aos homens que não deviam ser bárbaros. Que mostram as gravuras? Combatentes bradando de terror, velhas a rezar, crianças a chorar, mulheres guerreiras ou amarradas, mortos atirados para o carro dos cadáveres, mutilações, horror, carnificina…um realismo atroz!..
Depois da morte da mulher, Goya viveu até morrer com a jovem Leocádia Weiss, que tem dois filhos, mas não se sabe se são do marido ou de Goya. Devido ao escândalo Goya foi viver para fora da cidade. Comprou uma grande propriedade e pintou grandes murais, que virão a chamar-se PINTURAS NEGRAS, esta será a sua última fase, o cúmulo de todo o seu pessimismo, mas também de uma técnica revolucionária. Desaparece o pormenor, o ambiente, o cenário envolvente, as leis da perspectiva…infringe as regras artísticas e despreza as convenções visuais.
Dois exemplos, O CÂO, vê-se apenas a cabeça de um cão enterrado, o cão talvez procure socorro, mas está num deserto…é o radicalismo do vazio, expressão angustiante do desespero, absolutamente moderno na sua concepção.
No quadro, SATURNO, (em grego Crono) titã mitológico, que sabendo que os filhos o iam destronar, devora-os à nascença, Goya dá-nos uma visão de horror, em pinceladas grossas, um monstro devora uma criança já em sangue, sem cabeça e sem um braço.

Com a subida ao trono de Fernando VII, Goya pede licença real para viajar para França, por questões de saúde. Exila-se em Bordéus, pede a reforma e é agraciado com uma pensão avultada. Morre em 1828, com 82 anos. O seu corpo é enterrado em França, quando os seus restos mortais foram transladados em 1880 para Madrid, descobrem que o corpo não tinha cabeça, várias hipóteses foram postas, mas inconclusivas.
c&h

Nenhum comentário:

Postar um comentário