Tudo é ilusão (1).
A ilusão do pensamento, a do sentimento, a da vontade. Tudo é criação, e toda a criação é ilusão.
Criar é mentir.
Para pensar o não‑ser criamo‑lo, passa a ser uma coisa. Todos os que pensam ocultistamente criam em absoluto todo um sistema do Universo, que fica sendo real. Ainda que se contradigam: há vários sistemas do universo, todos eles reais.
Nós próprios, porque existimos, somos criações também, portanto ilusões. Mas somos criações de quem? Do Deus que nós‑próprios criámos? Como se o criámos nós, e lhe somos portanto anteriores? Isso é supondo real o tempo, que é outra criação nossa. Tudo é um amontoado de ilusões.
Aquilo a que chamamos verdade é aquilo a que também chamamos o ser. Verdadeiro é o que é. Mas o que é, é ilusão. Por isso a verdade é a ilusão, é uma ilusão.
A que abismo vamos ter?
Quanto mais forte o pensamento, o sentimento, a vontade, maior o poder criador.
O que a ocultistas é verificável é falso. Há imortalidade, mesmo eternidade da alma, mas isto é falso. Há um Deus eterno, criador do céu e da terra, e isto é falso. Ser é não‑ser.
Nunca podemos deixar de criar, por isso nunca podemos deixar de mentir.
A própria ilusão é uma ilusão.
O que nós não sentimos não existe. O que nós sentimos (...)
Só há uma coisa que não pode ser ilusão, porque ela não é criada: é a consciência. Uma só coisa escapa a toda a crítica — a consciência. A consciência não cria, nem é um conceito nosso, porque a não podemos pensar nem como sendo, nem como não‑sendo. Pensar, sentir, querer, são ilusões; mas ter consciência não é uma ilusão.
A verdade é da consciência para lá. «Deus» é a consciência da consciência, coisa que não podemos pensar.
A consciência não é concreta nem abstracta, não é um ser nem não‑ser.
Na proporção em que a consciência é uma ideia falsa.
Existem realmente Deus, céu, anjos, almas imortais e eternas. E contudo nada disso é verdade. Existe e dura eternamente, mas é falso.
O niilismo transcendental ...
Temos todos a noção de que há qualquer coisa: isso é falso. Não há; não há nem não há. A própria consciência não existe, mas é a única verdade.
Não haverá graus na ilusão? Quanto mais criadora uma coisa é mais ilusória. Partindo do nosso espírito, vemos quais as maiores ilusões ...
(1) Tudo se reduz a criar.
Tudo se reduz a iludir-se.
Portanto criar é mentir.
1915?
Textos Filosóficos. Vol. I. Fernando Pessoa. (Estabelecidos e prefaciados por António de Pina Coelho.) Lisboa: Ática, 1968 (imp. 1993).
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