O importante não é aquilo que fazem de nós, mas o que nós mesmos fazemos do que os outros fizeram de nós.
JEAN-PAUL SARTRE

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

RACISMO NA ORDEM DO DIA!...

VOLTANDO AO PLANETA DAS PEÚGAS RÔTAS DE MIA COUTO

EXCERTO

Nos dias de hoje, estamos assistindo a um dramático exemplo da fabricação de fantasmas: diariamente no Iraque matam-se civis inocentes em nome de Deus, em nome da luta contra um demónio que são os outros. José Saramago disse: "Matar em nome de Deus faz desse Deus um assassino."Vivemos ainda sentimentos de profunda intolerância religiosa, étnica e racial. É muito mais fácil a explicação mentirosa de que os culpados são os outros, os da outra raça, os da outra religião, do que aceitar que precisamos de mudar tanto como os outros.Ao longo da História, as operações de agressão aos outros começam por curiosamente por despessoalizar esses mesmos outros. Por assim dizer esses - os inimigos - não são pessoas humanas como nós. A primeira operação na guerra dos EUA contra o Vietname não foi de ordem militar. Foi de ordem psicológica e consistiu em desumanizar os vietnamitas. Eles já não eram humanos: eram amarelos, eram seres de outra natureza sobre os quais não haveria problema de ética em lançar bombas e napalm.O genocídio no Ruanda foi aqui perto e não muito distante no tempo. Comunidades que conviviam em harmonia foram manipuladas por elites criminosas ao ponto de se ter cometido o maior massacre da história contemporânea. Se antes de 1994 perguntássemos a um tutsi ou a um hutu se acreditava que aquilo poderia acontecer no seu país eles declarariam que isso era inimaginável. Mas sucedeu. E sucedeu porque a capacidade de produzir demónios é ainda muito grande nos nossos países. Quanto mais pobre é um país maior é a capacidade de se destruir a si mesmo.A partir de Abril de 1994 e durante 100 dias consecutivos mais de 800.000 tutsis foram assassinados pelos seus compatriotas Hutus. Machados e catanas foram usados para chacinar 10.000 pessoas por dia, o que dá uma média de 10 pessoas por minuto. Nunca na História humana se matou tanto em tão pouco tempo. Toda esta violência foi possível porque se tinha trabalhado para provar, uma vez mais, que os outros, não eram pessoas humanas. O tempo escolhido pela propaganda Hutu para falar dos Tutsis era de cockroaches, baratas. A matança estava assim isenta de qualquer objecção moral, estava-se matando insectos e não pessoas humanas, compatriotas falando a mesma língua e vivendo a mesma cultura.No vizinho Zimbabwe, o discurso da unidade que marcou o início de uma sociedade multirracial foi, subitamente alterado para uma agressão marcadamente racista. O Vice-Presidente do Zimbabwe, Jospeh Msica, num comício na cidade de Bulawayo disse textualmente: "Os brancos não são seres humanos". Ele apenas estava repetindo o que Robert Mugabe já havia proclamado. E eu cito as palavras de Mugabe: "O que odiamos nos brancos não é a sua pele mas o demónio que emana deles". Os dirigentes da ZANU tinham-se distinguido, poucos anos antes, como defensores de uma nação multi-racial. O que tinha mudado? Mudou o jogo de forças. A ambição pelo poder provoca mudanças surpreendentes nas pessoas e nos partidos.

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