Ruy Duarte de Carvalho (Santarém, Portugal, 1941 – Swakopmund, Namíbia, 12 de Agosto de 2010), foi um escritor, cineasta, escultor e antropólogo angolano.
O poeta que presentemente estou a ler.
BIOGRAFIA: AQUI
*
*
*
*
*
*
*
*
Chagas de salitre
*
Olha-me este país a esboroar-se
em chagas de salitre
e os muros, negros, dos fortes
roídos pelo vegetar
da urina e do suor
a carne virgem mandada
cavar glórias e grandeza
do outro lado do mar.
Olha-me a história de um país perdido:
marés vazantes de gente amordaçada,
a ingénua tolerância aproveitada
em carne. Pergunta ao mar,
que é manso e afaga ainda
a mesma velha costa erosionada.
Olha-me as brutas construções quadradas:
embarcadouros, depósitos de gente.
Olha-me os rios renovados de cadáveres,
os rios turvos de espesso deslizar
dos braços e das mãos do meu país.
Olha-me as igrejas restauradas
sobre ruínas de propalada fé:
paredes brancas de um urgente brio
escondendo ferros de educar gentio.
Olha-me a noite herdada, nestes olhos
de um povo condenado a amassar-te o pão.
Olha-me amor, atenta podes ver
uma história de pedra a construir-se
sobre uma história morta a esboroar-se
em chagas de salitre.
Olha-me este país a esboroar-se
em chagas de salitre
e os muros, negros, dos fortes
roídos pelo vegetar
da urina e do suor
a carne virgem mandada
cavar glórias e grandeza
do outro lado do mar.
Olha-me a história de um país perdido:
marés vazantes de gente amordaçada,
a ingénua tolerância aproveitada
em carne. Pergunta ao mar,
que é manso e afaga ainda
a mesma velha costa erosionada.
Olha-me as brutas construções quadradas:
embarcadouros, depósitos de gente.
Olha-me os rios renovados de cadáveres,
os rios turvos de espesso deslizar
dos braços e das mãos do meu país.
Olha-me as igrejas restauradas
sobre ruínas de propalada fé:
paredes brancas de um urgente brio
escondendo ferros de educar gentio.
Olha-me a noite herdada, nestes olhos
de um povo condenado a amassar-te o pão.
Olha-me amor, atenta podes ver
uma história de pedra a construir-se
sobre uma história morta a esboroar-se
em chagas de salitre.
*
A gravação do rosto
*
Na superfície branca do deserto
na atmosfera ocre das distâncias
no verde breve da chuva de Novembro
deixei gravado meu rosto
minha mão
minha vontade e meu esperma;
prendi aos montes os gestos da entrega
cumpri as trajectórias do encontro
gravei nas águas a fúria da conquista
da devolução do amor.
Os calcários e os granitos desta terra
foram por mim pesados.
Dei-lhes afagos
leves olhares
insónias longas
impacientes esperas.
O zinco dos telhados cobriu-me solidões
e esperanças que tu sabes.
Esperei por ti
Bordei-te flores nos canteiros do céu
abri-te valas, semeei-te milhos
pari colheitas de searas vãs
abri os dedos, semeei calhaus.
Espremi a terra e fiz-lhe água nascente
povoei prados de criaturas doces
ergui torres, girassóis gigantes
dei vida e morte, vi nascer, morrer.
Aqui reinei, julguei, plantei videiras
caminhos, grutas de vestígios
colhi olhares de animais bravios
deixei aos dedos aladas liberdades.
Empilhei madrugadas de atenção
disparei molas, carabinas frias
de traição ao vento.
Combati silêncios, instalei trincheiras
de perdão. Recebi recados de mongólias vastas
acendi fogueiras
para sufocar o medo.
Aqui sonhei Europas, verdes Ásias
cidades de cristais, Antárctidas caiadas
daqui refiz a lua de astronautas;
contei estrelas colhi algumas
para dormir com elas.
Aqui ejaculei delírios verdes
que a madrugada insinua e vence.
Aqui colhi primícias de virgens escandinavas
e coroei outeiros e o meu sexo
com as suas tranças de ouro.
Saltei de monte em monte
e naveguei o ventre do deserto
assinalei o umbigo do mundo e plantei setas
apontando o sexo fundo da terra.
Beijei a carne universal e húmida de uma fêmea em cio,
menstruada.
Aqui me dei, aqui me fiz
desfiz, refiz amores.
Aqui me embebedei e vomitei o espanto.
Daqui abalo hoje, parido para o nada
apalpo a água
afago um bicho
ordeno qualquer coisa
e vou.
Na superfície branca do deserto
na atmosfera ocre das distâncias
no verde breve da chuva de Novembro
deixei gravado meu rosto
minha mão
minha vontade e meu esperma;
prendi aos montes os gestos da entrega
cumpri as trajectórias do encontro
gravei nas águas a fúria da conquista
da devolução do amor.
Os calcários e os granitos desta terra
foram por mim pesados.
Dei-lhes afagos
leves olhares
insónias longas
impacientes esperas.
O zinco dos telhados cobriu-me solidões
e esperanças que tu sabes.
Esperei por ti
Bordei-te flores nos canteiros do céu
abri-te valas, semeei-te milhos
pari colheitas de searas vãs
abri os dedos, semeei calhaus.
Espremi a terra e fiz-lhe água nascente
povoei prados de criaturas doces
ergui torres, girassóis gigantes
dei vida e morte, vi nascer, morrer.
Aqui reinei, julguei, plantei videiras
caminhos, grutas de vestígios
colhi olhares de animais bravios
deixei aos dedos aladas liberdades.
Empilhei madrugadas de atenção
disparei molas, carabinas frias
de traição ao vento.
Combati silêncios, instalei trincheiras
de perdão. Recebi recados de mongólias vastas
acendi fogueiras
para sufocar o medo.
Aqui sonhei Europas, verdes Ásias
cidades de cristais, Antárctidas caiadas
daqui refiz a lua de astronautas;
contei estrelas colhi algumas
para dormir com elas.
Aqui ejaculei delírios verdes
que a madrugada insinua e vence.
Aqui colhi primícias de virgens escandinavas
e coroei outeiros e o meu sexo
com as suas tranças de ouro.
Saltei de monte em monte
e naveguei o ventre do deserto
assinalei o umbigo do mundo e plantei setas
apontando o sexo fundo da terra.
Beijei a carne universal e húmida de uma fêmea em cio,
menstruada.
Aqui me dei, aqui me fiz
desfiz, refiz amores.
Aqui me embebedei e vomitei o espanto.
Daqui abalo hoje, parido para o nada
apalpo a água
afago um bicho
ordeno qualquer coisa
e vou.
Nenhum comentário:
Postar um comentário