ORFEU NEGRO, foi realizado pelo francês, Marcel Camus e escrito por Camus, Vinicius e Jacques Viot e teve ainda a participação de Luis Bonfá. Ganhou a Palma de Ouro em Cannes, o Oscar e o Globo de Ouro em 1959, nos E.U.
Três anos antes a peça tinha estreado no teatro Municipal do Rio de Janeiro, com cenários de Oscar Niemeyer.
Prefácio de Vinicius para o livro: ORFEU DA CONCEIÇÃO – TRAGÉDIA CARIOCA, Livraria São José, Rio de Janeiro, 1960
As datas de saída deste livro e da estreia, no Teatro Municipal desta cidade, de "Orfeu da Conceição" são propositadamente coincidentes. É uma espécie de festa que me deu, pois não me foi fácil escrever a peça, e muito menos encená-la. Há 16 anos, uma certa noite em casa do arquitecto Carlos Leão, depois de ler numa velha mitologia o mito grego de Orfeu, dava eu início aos versos do primeiro acto, que terminei com a madrugada raiando sobre quase toda a Guanabara, visível de minha janela. Só em Los Angeles, 6 anos depois, consegui encontrar o segundo e terceiro actos, sendo que este último perdi-o, só indo refazê-lo em 1953 quando, a instâncias de meu amigo o poeta João Cabral de Mello Neto, resolvi concorrer ao Concurso de Teatro do IV Centenário de São Paulo.
É difícil prever o destino de uma peça de teatro, sobretudo quando foi, como esta, ensaiada em três meses apenas, por contingências dos meus deveres de diplomata com data certa para regressar ao posto.
Três meses realmente heróicos, em que uma equipe de seis (o director Leo Jusi, o cenógrafo Oscar Niemeyer, o compositor António Carlos Jobim, a figurinista Lila de Moraes, a coreógrafa Lina de Luca e o pintor Carlos Scliar) criou condições para um elenco de 45 figuras, com 10 actores principais, pisar em cena, depois de um exaustivo trabalho em que há que salientar primeiro a coragem e lealdade dos actores e logo em seguida a capacidade de trabalho e o devotamento do director Leo Jusi. Mas a verdade é que deram todos, cada qual no seu sector, o máximo. São amigos meus me merecem tudo - e eu lhes sou devotadamente grato.
Dentro de uma semana, às 9 da noite, no Teatro Municipal, cessarão todas as nossas agonias. Depois da "ouverture" para grande orquestra, escrita por António Carlos Jobim especialmente para a peça, o pano se abrirá sobre cenário de Oscar Niemeyer: dois amigos muito queridos; duas obras que vivem a partir daqui perfeitamente integradas com a minha peça. Luiz Bonfá estará executando, da orquestra, o violão de Orfeu da Conceição, interpretado por Haroldo Costa: outros dois amigos a quem aprendi a querer muito. Os actores portarão os figurinos feitos por uma estreante em teatro como eu, como Oscar Niemeyer, como António Carlos Jobim: minha mulher Lila Moraes. E as gentis dançarinas dançarão os bailes que lhe foram marcados por uma outra estreante como coreógrafa de teatro: minha amiga Lina de Luca. E em tudo haverá uma cor, um desenho, um toque de Carlos Scliar: cuja amizade vem de longe.
Escravo de meus amigos, de quem tudo recebo e a quem tudo dou, agora pergunto eu: que maior alegria?
E uma última palavra: esta peça é uma homenagem ao negro brasileiro, a quem, de resto, a devo; e não apenas pela sua contribuição tão orgânica à cultura deste país, - melhor, pelo seu apaixonante estilo de viver que me permitiu, sem esforço, num simples relampejar do pensamento, sentir no divino músico da Trácia a natureza de um dos divinos músicos do morro carioca.
Rio, 19-9-1956. __ V. de M.
Monólogo de Orfeu
As datas de saída deste livro e da estreia, no Teatro Municipal desta cidade, de "Orfeu da Conceição" são propositadamente coincidentes. É uma espécie de festa que me deu, pois não me foi fácil escrever a peça, e muito menos encená-la. Há 16 anos, uma certa noite em casa do arquitecto Carlos Leão, depois de ler numa velha mitologia o mito grego de Orfeu, dava eu início aos versos do primeiro acto, que terminei com a madrugada raiando sobre quase toda a Guanabara, visível de minha janela. Só em Los Angeles, 6 anos depois, consegui encontrar o segundo e terceiro actos, sendo que este último perdi-o, só indo refazê-lo em 1953 quando, a instâncias de meu amigo o poeta João Cabral de Mello Neto, resolvi concorrer ao Concurso de Teatro do IV Centenário de São Paulo.
É difícil prever o destino de uma peça de teatro, sobretudo quando foi, como esta, ensaiada em três meses apenas, por contingências dos meus deveres de diplomata com data certa para regressar ao posto.
Três meses realmente heróicos, em que uma equipe de seis (o director Leo Jusi, o cenógrafo Oscar Niemeyer, o compositor António Carlos Jobim, a figurinista Lila de Moraes, a coreógrafa Lina de Luca e o pintor Carlos Scliar) criou condições para um elenco de 45 figuras, com 10 actores principais, pisar em cena, depois de um exaustivo trabalho em que há que salientar primeiro a coragem e lealdade dos actores e logo em seguida a capacidade de trabalho e o devotamento do director Leo Jusi. Mas a verdade é que deram todos, cada qual no seu sector, o máximo. São amigos meus me merecem tudo - e eu lhes sou devotadamente grato.
Dentro de uma semana, às 9 da noite, no Teatro Municipal, cessarão todas as nossas agonias. Depois da "ouverture" para grande orquestra, escrita por António Carlos Jobim especialmente para a peça, o pano se abrirá sobre cenário de Oscar Niemeyer: dois amigos muito queridos; duas obras que vivem a partir daqui perfeitamente integradas com a minha peça. Luiz Bonfá estará executando, da orquestra, o violão de Orfeu da Conceição, interpretado por Haroldo Costa: outros dois amigos a quem aprendi a querer muito. Os actores portarão os figurinos feitos por uma estreante em teatro como eu, como Oscar Niemeyer, como António Carlos Jobim: minha mulher Lila Moraes. E as gentis dançarinas dançarão os bailes que lhe foram marcados por uma outra estreante como coreógrafa de teatro: minha amiga Lina de Luca. E em tudo haverá uma cor, um desenho, um toque de Carlos Scliar: cuja amizade vem de longe.
Escravo de meus amigos, de quem tudo recebo e a quem tudo dou, agora pergunto eu: que maior alegria?
E uma última palavra: esta peça é uma homenagem ao negro brasileiro, a quem, de resto, a devo; e não apenas pela sua contribuição tão orgânica à cultura deste país, - melhor, pelo seu apaixonante estilo de viver que me permitiu, sem esforço, num simples relampejar do pensamento, sentir no divino músico da Trácia a natureza de um dos divinos músicos do morro carioca.
Rio, 19-9-1956. __ V. de M.
Monólogo de Orfeu
Este é um dos trechos mais bonitos do primeiro acto da peça, em que Orfeu sobressalta-se quando Eurídice lhe diz "Até, neguinho. Volto num instante".Orfeu tem um mau presságio, e pede à amada que não o deixe. Eurídice responde: "Meu neguinho, que bobagem! E' um instantinho só. Volto com a aragem..."
Orfeu:
Ai, que agonia que você me deu
Meu amor!
que impressão, que pesadelo!
Como se eu te estivesse vendo morta
Longe como uma morta...
.
Eurídice:Morta eu estou.Morta de amor, eu estou; morta e enterrada
Eurídice:Morta eu estou.Morta de amor, eu estou; morta e enterrada
Com cruz por cima e tudo!
Orfeu (sorrindo):Namorada!
Vai bem depressa. Deus te leve. Aqui
Ficam os meus restos a esperar por ti
Que dás vida!
(Eurídice atira-lhe um beijo e sai).
Mulher mais adorada!
Agora que não estás, deixa que rompa
O meu peito em soluços!
Te enrustiste
Em minha vida; e cada hora que passa
E' mais porque te amar, a hora derrama
O seu óleo de amor, em mim, amada...
E sabes de uma coisa? cada vez
Que o sofrimento vem, essa saudade
De estar perto, se longe, ou estar mais perto
Se perto, - que é que eu sei! essa agonia
De viver fraco, o peito extravasado
O mel correndo; essa incapacidade
De me sentir mais eu, Orfeu; tudo isso
Que é bem capaz de confundir o espírito
De um homem - nada disso tem importância
Quando tu chegas com essa charla antiga
Esse contentamento, essa harmonia
Esse corpo! e me dizes essas coisas
Que me dão essa força, essa coragem
Esse orgulho de rei.
Ah, minha Eurídice
Meu verso, meu silêncio, minha música!
Nunca fujas de mim!
sem ti sou nada
Sou coisa sem razão, jogada, sou Pedra rolada.
Orfeu menos Eurídice...Coisa incompreensível!
A existência Sem ti é como olhar para um relógio
Só com o ponteiro dos minutos.
Tu És a hora, és o que dá sentido
E direcção ao tempo, minha amiga
Mais querida!
Qual mãe, qual pai, qual nada!
A beleza da vida és tu, amada
Milhões amada!
Ah! criatura!
quem Poderia pensar que Orfeu:
Orfeu
Cujo violão é a vida da cidade
E cuja fala, como o vento à flor
Despetala as mulheres - que ele, Orfeu
Ficasse assim rendido aos teus encantos!
Mulata, pele escura, dente branco
Vai teu caminho que eu vou te seguindo
No pensamento e aqui me deixo rente
Quando voltares, pela lua cheia
Para os braços sem fim do teu amigo!
Vai tua vida, pássaro contente
Vai tua vida que eu estarei contigo!
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