O importante não é aquilo que fazem de nós, mas o que nós mesmos fazemos do que os outros fizeram de nós.
JEAN-PAUL SARTRE

sexta-feira, 10 de junho de 2011

POEMAS DE LEONARD COHEN

LIVRO DO DESEJO

Não consigo superar as colinas
O sistema foi abaixo
Vivo de comprimidos
Coisa que agradeço a D--s

Segui o trajecto
Do caos à arte
Desejo o cavalo
Depressão a carruagem

Naveguei como um cisne
Afundei-me como uma rocha
Mas o tempo passou há muito
Pelas minhas reservas de riso

A minha página era demasiado
branca
A minha tinta era demasiado fina
O dia não quis escrever
Aquilo que a noite rabiscara

O meu animal uiva
O meu anjo aborreceu-se
Mas não me é permitida
Uma réstia de remorso

Pois alguém há-de utilizar
Aquilo que eu não soube ser
O meu coração será dela
De uma forma impessoal

Ela pisará o caminho
Perceberá a minha intenção
A minha vontade partida em duas
E a liberdade pelo meio

Por menos de um segundo
As nossas vidas colidirão
O interminável suspenso
A porta de par em par

Então ela há-de nascer
Para alguém como tu
O que nunca ninguém fez
Ela continuará a fazer

Sei que ela vem aí
Sei que ela irá olhar
E esse é o desejo
E este é o livro.

Leonard Cohen - Livro do Desejo (edições quasi)tradução de Vasco Gato

PARA O MEU VELHO LAYTON

Ele oculta a sua dor sem dono
em frases de amor
da mesma maneira
que um gato esconde as fezes
debaixo das pedras e aparece durante o dia,
arrogante, limpo, rápido, disposto
a caçar ou dormir ou a perecer de fome.

A cidade recebe-o com lixo
que ele interpreta como um elogio
a sua musculatura. Cascas de laranja,
latas, tripas chovendo como papel de teletipo.
Durante algum tempo ele destruiu as suas noites
com a sua sombra reflectida na janela da lua cheia
enquanto espiava a paz da gente vulgar.

Uma vez invejou-os.
Agora com um feliz
uivo saltava de monumento em monumento,
penetrava nos seus lugares mais sagrados, ébrio
de saber quão perto vivia dos mortos
debaixo da terra, ébrio de sentir o muito que queria
aos seus irmãos que ressonavam, os velhos e as crianças da cidade.

Até que por fim, cansado com o Tímon
do odor humano, ressentindo-se mesmo das suas próprias
pegadas no deserto, dedicou-se a caçar animais, e adornou-se
com braceletes de serpentes vivas e cizânias.
Enquanto a maré descia como uma manta,
ele dormia em cavidades das rochas um sono pesado
sem sonhos, a aragem brilhante do sol
como se fosse um laboratório automático
formando cristais no seu cabelo.Leonard Cohen - Flowers For Hitler - tradução de Carlos Besen

MISSÃO Trabalhei no meu trabalho/Dormi no meu sono/Morri na minha morte/E agora posso abandonar/ Abandonar aquilo que faz falta/E abandonar aquilo que está cheio/Necessidade de espírito/E necessidade no Buraco Amada, sou teu/Como sempre fui/Da medula aos poros/Do anseio à pele /Agora que a minha missão/Chegou ao fim:/Reza para que me seja perdoada/A vida que levei/ O Corpo que persegui/Perseguiu-me igualmente/O meu anseio é um lugar/O meu morrer, uma vela.
Leonard Cohen - Livro do Desejo (edições quasi) - tradução de Vasco Gato

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