O importante não é aquilo que fazem de nós, mas o que nós mesmos fazemos do que os outros fizeram de nós.
JEAN-PAUL SARTRE

sábado, 20 de março de 2010

JUDITH TEIXEIRA (1880-1959)

Judite Teixeira nasceu em 1880 em Viseu e foi baptizada, como filha natural de Maria do Carmo, não constando do assento do baptismo o nome do pai. Em 1907 foi perfilhada por Francisco dos Reis Ramos, alferes de Infantaria. Era então solteira e residia em Lisboa. Algum tempo depois terá casado com Jaime Levy Azancot, mas em 1913 o casamento foi dissolvido, tendo sido acusada de adultério e abandono do domicílio legal. Em 1914, no Bussaco, casou com Álvaro Virgílio de Franco Teixeira. É na década dos seus quarenta anos, entre 1922 e 1927, que publicou todos os seus livros e dirigiu a revista Europa. Foi atacada violentamente na imprensa conservadora pelas "vergonhas sexuais" e "versalhadas ignóbeis" que escrevia. O seu livro Decadência (1923) foi apreendido, juntamente com os livros de António Botto e Raul Leal, pelo Governo Civil de Lisboa na sequência de uma campanha, liderada pela conservadora Liga de Acção dos Estudantes de Lisboa, contra "os artistas decadentes, os poetas de Sodoma, os editores, autores e vendedores de livros imorais".
Em 1927 encontrava-se ausente de Portugal, como se depreende de uma nota inserida no fim do livro Satânia, o último que publicou. Não se sabe nada dos últimos trinta e dois anos da sua vida; morreu em 1959, residindo então em Lisboa. Segundo o assento de óbito, morreu viúva, sem deixar filhos nem bens.










Há pouca informação na net, sobre Judite Teixeira a única que consegui, foi de António Manuel Couto Viana, in Coração Arquivista, Lisboa, Verbo, de que transcrevo alguns fragmentos:

E as «orgias de morfina» — a droga a que a poetisa chamava «a minha amante» («Dizem que eu tenho amores contigo / Deixa-os dizer! ... / Eles sabem lá o que há de sublime, / nos meus sonhos de prazer ») — que indignação terão causado, assim confessadas, com soberano despudor! (Na longínqua Macau, outro poeta, Camilo Pessanha, ia sumindo-se, aos poucos, «como faz um verme», sorvendo a fundos haustos pelo longo cachimbo de bambu o ópio da evasão.) Pasmo que qualquer dos poemas citados não tenha merecido à sensibilidade e cultura de Natália Correia a inclusão na sua Antologia de Poesia Portuguesa Erótica e Satírica, onde alguns talvez menos autênticos se coligiram. E pasmo que Judith Teixeira não esteja presente na Antologia da Poesia Feminina Portuguesa que a cultura e sensibilidade de António Salvado organizaram. Porque, apesar da frouxidão e desleixo da forma (quase sempre), há uma personalidade poética original O que não sei / é ser banal» — diz a escritora) a distinguir e a prezar. Mais a mais, ela é a nossa única poetisa «modernista» (Violante de Cisneiros é um criptónimo de Côrtes-Rodrigues e Fernanda de Castro, com ser moderna, nunca foi «modernista». Muito menos Florbela, Virgínia Vitorino, Laura Chaves... — as mulheres-poetas da época). O segundo livro de Judith Teixeira, Castelo de Sombras, apresentava-se muito mais discreto que o primeiro. Em tudo. Decadência era um volume fascinantemente luxuoso, num formato de livro de arte, em excelente papel e com apurado arranjo tipográfico, tendo a enriquecê-lo a gravura da capa, a cores, da autoria do pintor «modernista» Carlos Porfírio, que foi o director de Portugal Futurista. Castelo de Sombras mantinha o bom gosto gráfico, o grande formato (embora menor que o de Decadência), mas o conteúdo perdera ousadia, «a vertigem sagrada da luxúria» que exigia Raul Leal, o profeta Henoch, para o mais sublime culto estético. («A luxúria é uma força!» gritava Valentine de Saint-Point, com quem Judith Teixeira se identifica, proclamando na sua conferência De Mim: «A luxúria é uma fonte dolorosa e sagrada de cujo seio violento corre, cantando e sofrendo, o ritmo harmonioso das nossas sensações!»)…/…
É irresistível: leio as poesias de Judith Teixeira e, separando muito trigo de muito joio, penso-as merecedoras de melhor sorte do que o silêncio, a ignorância, a que têm estado votadas».
Esta publicação, saída em 2002, como corolário de umas jornadas dedicadas a José Régio na Universidade de Aveiro, inclui o ensaio de Martim de Gouveia e Sousa intitulado "Régio e Judith Teixeira: um encontro, uma voz e uma 'brasa ardente' de que alguém se lembrará".
POEMAS DE JUDITH TEIXEIRA

Adoro o inverno.
Envolvo-me assim mais no teu carinho,
friorenta e louca...
Nascem-me na alma os beijos
que se vão aninhar na tua boca!...
Gosto da neve a diluir-se ao sol
em risos de cristal!
Vem-me turbar a ânsia do teu rogo...
E a neve fulgente dos meus dentes trémulos,
vai fundir-se na taça ardente,
rubra e original,
na qual eu bebo os teus beijos em fogo!
Tu adormentas a minha dor
na doce sombra dos teus cabelos,
e eu envolvo-me toda nos teus braços
para dormir e sonhar!...
- lá fora que não deixe de chover,
e o vento que não deixe de clamar!
Deixá-lo gritar!
Que importa o seu clamor,
se me abrasa o teu olhar vivíssimo?!...
Atei, meu amor, o fogo em que me exalto...
- Enrola-me mais... ainda mais... no teu afago;
que esta alegria do nosso amor suavíssimo,
será mais forte e gritará mais alto!
Inverno - Sol Posto
1925

A MINHA COLCHA ENCARNADA

Perfumes estonteantes
atiram-me embriagada
sobre os cetins roçagantes
da minha colcha encarnada!

Em espasmos delirantes,
numa posse insaciada -
rasgo as sedas provocantes
em que me sinto enrolada!

Tomo o cetim às mãos cheias..,
Sinto latejar as veias
na minha carne abrasada!

Torcem-me o corpo desejos...
mordendo o cetim com beijos
numa ânsia desgrenhada!
MAIS BEIJOS
Devagar...
outro beijo... outro ainda...
O teu olhar, misterioso e lento,
veio desgrenhar
a cálida tempestade
que me desvaira o pensamento!

Mais beijos!...
Deixa que eu, endoidecida,
incendeie a tua boca
e domine a tua vida!

Sim, amor...
deixa que se alongue mais
este momento breve!...
que o meu desejo subindo
solte a rubra asa
e nos leve!

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