O importante não é aquilo que fazem de nós, mas o que nós mesmos fazemos do que os outros fizeram de nós.
JEAN-PAUL SARTRE

segunda-feira, 31 de maio de 2010

TERCEIRA SINFONIA DE MAHLER

Excelentíssimo Senhor Director: Para lhe transmitir a inaudita impressão que a sua sinfonia me deixou tenho de lhe falar não de músico para músico, mas sim de Homem para Homem. É que eu vi a sua alma, nua, despojada. Ela surgiu à minha frente como uma paisagem, bravia, misteriosa, cheia de assustadores baixios e poços ao lado de alegres e límpidos prados ensolarados, idílicos locais de repouso. Eu vi-a como um fenómeno da Natureza, cheia de sobressaltos e desgraças, mas também com luminosos e tranquilizantes arco-íris. Senti uma luta com as ilusões; senti a dor de um desiludido. Vi o combate de forças más e boas, vi um homem cansado da extenuante luta por harmonia interior. Senti um Homem, um «drama», «verdade», «verdade» sem nenhuma concessão!

ARNOLD SCHÖNBERG (12.12.1904)


Inicialmente intitulada A GAIA CIÊNCIA e, depois, SONHO DE UMA MANHÃ DE VERÃO, a Terceira Sinfonia de Mahler, divide-se em seis andamentos, cujos subtítulos o compositor deu a conhecer: I «Pan desperta. O Verão anuncia-se»; II «O que as flores do campo me contam»; III «O que os animais do bosque me contam»; IV «O que o Homem me conta»; V «O que os anjos contam»; VI «o que o Amor me conta» e VI « O que a criança me conta».
A presença da natureza e a relação do homem com a transcendência através de uma submersão radical na natureza são elementos centrais de todas as quatro primeiras sinfonias de Mahler: na Primeira encontramos a natureza primordial, habitada por um herói que acabará por morrer; na Segunda acompanhamos o processo de resgate desse herói do mundo dos mortos para uma ressurreição poderosa; na Quarta assistimos à passagem da vida terrena para a vida celestial, cheia de anjos, santos e crianças.
A Terceira sinfonia desempenha um importante papel, definindo uma concepção estética-filosófica em patamares sucessivos do Ser, concepção fortemente influenciada pelos escritos de Schopenhauer e de Nietzche. Esta sinfonia desenha um percurso que corresponde à «arquitectura do mundo» de Schopenhauer. Por outro lado, o título provisório A Gaia Ciência, bem como o canto da Meia-Noite [Oh Homem, escuta!»] de Assim falou Zaratustra musicado no quarto andamento, apontam explicitamente para a obra de Nietzsche.
Mahler tinha uma vida muito sobrecarregada em Hamburgo, como director da Ópera, não tinha tempo para compor, para se distanciar da música lia e, Nietzsche era na altura o autor em que mergulhava. Só nas férias, passadas na pequena aldeia de Steinbach, no Tirol, Mahler compunha. Tinha mandado construir uma pequena barraca, onde tinha um pequeno piano, uma mesa e um sofá, território íntimo e inviolável. Levantava-se às cinco e meia da manhã ia para a cabana, trabalhando sete horas por dia, regressava para almoçar e depois fazia os seus passeios a pé. Esta era a rotina de férias, com duas imersões: uma no mundo da natureza, outra na interioridade criativa.


PRIMEIRO ANDAMENTO – PODEROSO-DECIDIDO
Neste andamento o compositor, pretende afirmar o poder do movimento, da marcha, da força construtiva que se opõe à rigidez da matéria «sem alma», à natureza primordial, «as forças elementares da natureza inanimadas e rígidas».


SEGUNDO ANDAMENTO – TEMPO DI MINUETTO- MUITO MODERADO

Mahler oferece uma visão serena e inocente da natureza campestre. Este andamento sugere um universo sonoro rococó, um idílio pastoril do séc. XVIII (Minuetto) visto pelos binóculos histoiricistas do Romantismo do século XIX. Como se as flores e pastores da montanha entrassem nos salões espelhados da cultura burguesa da Viena fin de siècle.
Mahler disse: Claro que não me fico pela serenidade das plantas; repentinamente tudo se põe mais sério e grave, Como se um vento tempestuoso varresse os prados e abanasse as folhas e flores das plantas, dobrando-as e quebrando-as, forçando-as a entrarem num reino mais alto.


TERCEIRO ANDAMENTO – COMODO, SCHERZANDO

Descreve a morte da Primavera e o surgimento do Verão. Aqui Mahler aproxima-se de idiomas populares, numa concepção de humor influenciado por Jean Paul: descendo aos níveis mais baixos da representação revela-se a máscara trágica da existência. O humor negro ou carnavalesco de Mahler é sempre porta de acesso aos abismos mais radicais da sua alma.

QUARTO ANDAMENTO – MUITO LENTO. MISTERIOSO

O andamento nietzscheano «Oh Homem, escuta!»

Oh Homem! Presta atenção
O que diz a profunda meia-noite?
«Eu dormia, eu dormia,
E despertei de um sonho profundo:
O mundo é profundo,
E mais profundo que o dia julga,
Profunda é a sua dor,
E a alegria…mais profunda que o sofrimento.
A dor diz: Passa!
Mas toda a alegria deseja a eternidade,
A profunda, profunda eternidade!»

Trata-se do Canto da Meia-Noite, o apelo de Zaratustra ao despertar do homem, ao abandono do «sono profundo», em que se encontra. Sobre uma sonoridade de fundo sombria, entregue às cordas graves, surge a voz desolada (O Mensch!). Ouvem-se depois trombones agudos e terceiras trompas (Gib Acht!) até que o oboé se impõe «como uma sombra da natureza».

QUINTO ANDAMENTO – NUM TEMPO DIVERTIDO E COM UMA EXPRESSÃO JOVIAL

«Bim! Bam!» Exalta a alegria e o sonho de um universo ingénuo e inocente

SEXTO ANDAMENTO – ADAGIO – LENTO-CALMO-SENTIDO

Um andamento lento de grande intensidade sonora e força expressiva. Mahler neste andamento pretende atingir as mais altas esferas do Ser – o «Amor», o amor que se confunde com a ideia de Deus. «Deus só pode ser pensado como «o amor». Neste andamento são inseridos episódios de vida, momentos mais ou menos burlescos da existência, etapas necessárias ao Ser para passar de um estado inorgânico ao mundo das esferas.

[Elementos colhidos do programa, escrito por: Paulo Pereira de Assis.]




CASA DA MÚSICA – 29.05.2010
SINFONIA Nº.3 DE MAHLER
ONP
DIRECÇÃO MUSICAL – CHRISTOPH KÖNIG
MEIO-SOPRANO – ANKE VONDUNG
CORO CASA DA MÚSICA
CORO INFANTIL DO CPO

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