O importante não é aquilo que fazem de nós, mas o que nós mesmos fazemos do que os outros fizeram de nós.
JEAN-PAUL SARTRE

segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

ALEXANDER SEARCH

Alexander Search é um dos heterónimos, de Fernando Pessoa, criado em 1899, quando Pessoa ainda era um estudante. Com este nome, o poeta escrevia cartas a si mesmo além de poemas escritos em inglês.Os poemas escritos em inglês foram feitos num período em que Fernando Pessoa estava na África do Sul, com a mãe e o padrasto.



A MEU MAIOR AMIGO

Quando eu morrer, eu sei, tu escreverás
Triste soneto à morte prematura;
Dirás que a vida cansa em amargura
E, pálido e frio, tu me cantarás.

Nas quadras, reflectido se lerá
De como, vã e breve, a vida expira
E como em terra funda, dura e fria,
A vida, má ou boa, acabará.

A seguir, nos tercetos, tu dirás
Que a morte é mistério, tudo fugaz,
Verdadeira, talvez, a vida além.

Por fim porás a data, assinarás.
E, relido o soneto, ficarás
Contente por tê-lo escrito bem.


CANÇÃO DE FANNY

Vimos da onda, da costa
Em som arrebatador,
E da aragem que recosta
Numa nuvem seu langor;
Vimos do rio que murmura,
Da folhagem que sussurra,
Nós vimos alegremente.

Como os pingos do orvalho,
Brilhantes e numerosos
Nós descemos até Fanny
Como os dias luminosos;
Do alto cume do monte
E do cintilar da fonte,
Nós vimos alegremente.

Vimos do vale, da colina,
Da montanha, do valado;
Da tristeza da tardinha
Com tanto conto contado;
Do prado em sua doçura,
Da sombra em sua frescura,
Nós vimos alegremente.

Habitámos no salgueiro
E no ninho que acoberta,
Mas fizemos travesseiro
Do coração do poeta;
E de tudo o que repassa
As almas de amor e graça,
Nós vimos alegremente.



SOUVENIR

Como é doce e triste por vezes ouvir
Algum som antigo trazido à memória,
E ver, como em sonhos, algum rosto querido,
Trecho de paisagem, campo, rio ou vale,
Lembrança tão breve, triste e agradável,
Algo que recorde o tempo bom da infância.
Então em dor feliz as lágrimas brotam,
Esse choro subtil que na mente aguarda,
E tudo o já sentido - campo, rio e voz -
Toma outro alcance, na memória adornado,
E lento emerge em fantasiosa luz.
Mas, ai, eis que acordo p'los sonhos traído!
O que sinto e ouço apenas ilusão,
Porque o passado não pode regressar.
Estes campos não são os que eu conheci,
Os sons não são os que ouvi; tudo passou
E tudo o que é passado, ai, não volta mais.



Alexander Search
Poesia
edição e tradução
Luísa Freire
Assírio & Alvim
Obras de Fernando Pessoa
1999


«Aqui jaz quem julgou ser o melhor de todos os poetas deste vasto mundo.»


EPITÁFIO

Aqui jaz Alexander Search
Que Deus e os homens deixaram só,
Que sofreu e chorou ser escárnio da natureza.
Recusou o Estado, recusou a igreja,
Recusou Deus, a mulher, o homem e o amor,
Recusou a terra em volta e o céu além.
Resumiu assim o seu saber:
(...)e amor não há
Nada no mundo existe de sincero
Salvo a dor, o ódio, a luxúria e o medo
E mesmo estes são ainda suplantados
Pelos males que causam.
Andava pelos vinte anos quando morreu
Estas foram as suas últimas palavras:
Deus, a Natureza e o Homem, malditos sejam!

2 comentários:

  1. Não tenho dedicado muito tempo a Alexander Search, pelo que foi muito bom ter encontrado aqui esta pequena compilação, muito elucidativa.
    Obrigada, Manu.
    Beijinho.

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  2. Olá Josefa,
    Registei com muito agrado a sua presença por aqui e as palavras que deixou,
    Beijinhos,
    Manu

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