O importante não é aquilo que fazem de nós, mas o que nós mesmos fazemos do que os outros fizeram de nós.
JEAN-PAUL SARTRE

sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

Os Cadernos de Malte Laurids Brigge", Rainer Maria Rilke

Único romance do poeta Rainer Maria Rilke, um dos grandes nomes da literatura alemã do século XX. Escrito no período em que o autor se mudou para Paris, a fim de redigir um trabalho sobre o amigo e escultor Auguste Rodin, Os cadernos de Malte Laurids Brigge, reflectem algumas das experiências de Rilke na capital francesa e o contacto que travou com os artistas modernistas da época.
Ao deixar para trás a família e as lembranças da infância vivida num castelo no campo, o jovem dinamarquês Malte Laurids Brigge, depara-se com uma Paris ao mesmo tempo fascinante e inóspita. Os cadernos fazem anotações das dificuldades sentidas pelo personagem, as mesmas do autor.
Influenciado por Nietzsche e Kierkegaard, o livro, publicado em 1910, expõe o processo de desenvolvimento de Malte Laurids Brigge, tanto psicológico quanto físico, fazendo vários questionamentos, sobre a busca da individualidade, a tentativa de entender o significado da morte e o questionamento da religião são algumas das angústias do personagem e do próprio autor.


“Há muitas pessoas, mas há ainda muitas mais caras, pois cada uma tem várias. Há pessoas que usam uma cara anos seguidos; gasta-se naturalmente, suja-se, quebra nas rugas, alarga como as luvas que se usaram em viagem. São as pessoas simples, poupadas; não mudam de cara, nem a mandam lavar. Serve muito bem, afirmam elas; e quem é que lhes pode provar o contrário? (…) Outras pessoas põem as suas caras com uma rapidez medonha, uma após outra, e gastam-nas. Parece-lhes a princípio que lhes chegam para sempre, mas, mal chegam a quarenta – eis a última. Isto tem naturalmente o seu trágico. Não estão habituadas a poupar caras; a última gastou-se ao cabo de oito dias, tem buracos, está em vários sítios delida e fina como papel, e, a pouco e pouco, vai aparecendo a pasta de baixo, a não-cara, e é com essa que andam”.


“Antigamente sabia-se (ou talvez se pressentisse) que se trazia a morte dentro de si, como o fruto o caroço. As crianças tinham dentro uma pequena e os adultos uma grande. As mulheres tinham-na no seio e os homens no peito. Tinha-se, a morte, e isto dava às pessoas uma dignidade particular e um calmo orgulho”.

“O destino gosta de inventar desenhos e figuras. A dificuldade dele reside no complicado. A vida mesma, porém, é difícil pela simplicidade. Tem apenas algumas coisas de um tamanho que nos não é adequado. O santo, rejeitando o destino, escolhe estas coisas, em face de Deus. Mas que a mulher, conforme à sua natureza, tenha de fazer a mesma escolha em relação ao homem, é o que evoca a fatalidade de todas as relações de amor: resoluta e sem destino como uma eterna, ergue-se ela ao lado dele, dele que se transforma. Sempre a amante ultrapassa o amado, porque a vida é maior do que o destino. O dom de si mesma quer ser desmedido: é esta a sua ventura. A dor inominada do seu amor, porém, foi sempre esta: que se exija dela que limite este dom de si mesma”.

(Rilke, “Os Cadernos de Malte Laurids Brigge”, tradução de Paulo Quintela, edição de “O Oiro do Dia”, Porto, 1983)

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