Único romance do poeta Rainer Maria Rilke, um dos grandes nomes da literatura alemã do século XX. Escrito no período em que o autor se mudou para Paris, a fim de redigir um trabalho sobre o amigo e escultor Auguste Rodin, Os cadernos de Malte Laurids Brigge, reflectem algumas das experiências de Rilke na capital francesa e o contacto que travou com os artistas modernistas da época.
Ao deixar para trás a família e as lembranças da infância vivida num castelo no campo, o jovem dinamarquês Malte Laurids Brigge, depara-se com uma Paris ao mesmo tempo fascinante e inóspita. Os cadernos fazem anotações das dificuldades sentidas pelo personagem, as mesmas do autor.
Influenciado por Nietzsche e Kierkegaard, o livro, publicado em 1910, expõe o processo de desenvolvimento de Malte Laurids Brigge, tanto psicológico quanto físico, fazendo vários questionamentos, sobre a busca da individualidade, a tentativa de entender o significado da morte e o questionamento da religião são algumas das angústias do personagem e do próprio autor.
“Há muitas pessoas, mas há ainda muitas mais caras, pois cada uma tem várias. Há pessoas que usam uma cara anos seguidos; gasta-se naturalmente, suja-se, quebra nas rugas, alarga como as luvas que se usaram em viagem. São as pessoas simples, poupadas; não mudam de cara, nem a mandam lavar. Serve muito bem, afirmam elas; e quem é que lhes pode provar o contrário? (…) Outras pessoas põem as suas caras com uma rapidez medonha, uma após outra, e gastam-nas. Parece-lhes a princípio que lhes chegam para sempre, mas, mal chegam a quarenta – eis a última. Isto tem naturalmente o seu trágico. Não estão habituadas a poupar caras; a última gastou-se ao cabo de oito dias, tem buracos, está em vários sítios delida e fina como papel, e, a pouco e pouco, vai aparecendo a pasta de baixo, a não-cara, e é com essa que andam”.
“Antigamente sabia-se (ou talvez se pressentisse) que se trazia a morte dentro de si, como o fruto o caroço. As crianças tinham dentro uma pequena e os adultos uma grande. As mulheres tinham-na no seio e os homens no peito. Tinha-se, a morte, e isto dava às pessoas uma dignidade particular e um calmo orgulho”.
“O destino gosta de inventar desenhos e figuras. A dificuldade dele reside no complicado. A vida mesma, porém, é difícil pela simplicidade. Tem apenas algumas coisas de um tamanho que nos não é adequado. O santo, rejeitando o destino, escolhe estas coisas, em face de Deus. Mas que a mulher, conforme à sua natureza, tenha de fazer a mesma escolha em relação ao homem, é o que evoca a fatalidade de todas as relações de amor: resoluta e sem destino como uma eterna, ergue-se ela ao lado dele, dele que se transforma. Sempre a amante ultrapassa o amado, porque a vida é maior do que o destino. O dom de si mesma quer ser desmedido: é esta a sua ventura. A dor inominada do seu amor, porém, foi sempre esta: que se exija dela que limite este dom de si mesma”.
(Rilke, “Os Cadernos de Malte Laurids Brigge”, tradução de Paulo Quintela, edição de “O Oiro do Dia”, Porto, 1983)
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