O importante não é aquilo que fazem de nós, mas o que nós mesmos fazemos do que os outros fizeram de nós.
JEAN-PAUL SARTRE

sábado, 2 de janeiro de 2010

CHARLES BAUDELAIRE (1821-1867)


O BRINQUEDO DO POBRE


Quero dar a ideia de uma distracção inocente. Há tão

poucos divertimentos que não sejam criminosos!

Quando saírdes, de manhã, com a firme intenção

de vagabundear pelas estradas, enchei os bolsos de

pequeninas invenções de um soldo e, pelas

tavernas, ao pé das árvores, presenteai os meninos

desconhecidos e pobres que fordes encontrando.

Então vereis os seus olhos crescerem, crescerem...

A princípio, não ousarão tocar no presente:

duvidarão da própria felicidade.

Depois, suas mãos agarrarão vivamente o brinquedo

e eles fugirão, como fazem os gatos, que, tendo

aprendido a desconfiar do homem,

vão comer longe de nós o bocado que lhes damos.

Numa estrada, por trás das grades de um vasto jardim,

ao fundo do qual surgia a brancura de um lindo castelo

batido de sol, via-se uma criança fresca e bela,

vestida de uma dessas roupas de campo, tão garridas.

O luxo, a ociosidade e o espectáculo habitual da

riqueza tornam esses meninos tão belos que nos parece

terem sido feitos de outra massa que não

a dos filhos da mediania ou da pobreza.

Ao lado dela, jazia sobre a relva um brinquedo

esplêndido, tão novo quanto o seu dono, envernizado,

dourado, com um traje cor de púrpura, e coberto com

plumas e vidrinhos. O pequeno, porém, não se

ocupava com o seu brinquedo favorito, e eis o que

ele observava:

Do outro lado da grade, na estrada, entre os cardos

e as urtigas, havia outro menino, sujo, raquítico,

tisnado, um desses garotos-párias

em quem um olho imparcial descobriria a beleza,

se o limpasse da repugnante pátine da miséria.

Através daquelas vergas simbólicas,

que separavam dois mundos, a estrada real e o

castelo, o menino pobre mostrava o seu brinquedo

ao menino rico, e este que o pequeno porcalhão

atraía com afagos, agitava e sacudia, numa espécie

de gaiola, era um rato vivo! Os pais, decerto por

economia, haviam tirado o brinquedo da própria Vida.

E as duas crianças riam uma para a outra,

fraternalmente, com dentes de uma brancura igual.


http://poetas.mortos.sites.uol.com.br/baudela.htm

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