O importante não é aquilo que fazem de nós, mas o que nós mesmos fazemos do que os outros fizeram de nós.
JEAN-PAUL SARTRE

terça-feira, 26 de outubro de 2010

FERNANDO LOPES GRAÇA (1906-1994)


Nasceu em 17 de Dezembro de 1906, em Tomar. A família pertencia à pequena burguesia. O pai tinha um hotel, onde existia um piano, que cedo despertou a atenção do miúdo. O tenente Aboim, um dos hóspedes do hotel, aconselhou o pai, que devia proporcionar-lhe aulas de piano, com a filha do seu general. Aos 14 anos Fernando deu um concerto no Cine-Teatro de Tomar e contra o habitual, tocou Debussy, compositores russos contemporâneos, a solo ou com um quinteto por si formado.
Em 1923 foi estudar para o Conservatório de Lisboa, onde teve como mestres: Adriano Meira (Curso Superior de Piano), Tomás Borba (Composição) e Luís de Freitas Branco (Ciências Musicais). Em 1927 inscreveu-se na Aula de Virtuosidade de José Viana da Motta. Nesse mesmo ano apresentou-se pela primeira como compositor com a obra, Variações sobre um tema popular português, para piano solo. No ano seguinte, matriculou-se na Faculdade de Letras de Lisboa em Ciências Histórica e Filosóficas. Fundou em Tomar o seminário republicano, «A Acção» e em 1929, com Pedro Prado, publicou no Conservatório de Lisboa, a revista «Música».

Em 1931 abandonou a Faculdade de Letras, como protesto contra certas medidas coercivas do Conselho Escolar, durante uma greve académica. Terminou o Curso Superior de Composição com a mais alta distinção e obteve a 1ª. Classificação para o lugar de professor de piano e solfejo do Conservatório, mas não chegou a ocupar o lugar, porque foi preso por motivos políticos e desterrado para Alpiarça. Mais tarde voltou à Faculdade, mas não chegou a acabar o curso.
Fernando Lopes Graça conviveu com os poetas e escritores da revista «Presença», um grupo de vanguarda e em 1937 ganhou uma bolsa para ir estudar para Paris, embora a mesma não lhe fosse concedida por razões políticas. Partiu para Paris, a expensas suas, para estudar Composição e Orquestração, com Koechlin. Dias antes de partir assistiu a um concerto, onde conheceu a pianista Maria da Graça Amado, foi o início, não só de uma amizade de 50 anos, como também de uma colaboração relativamente à música, porque passou a ser a sua intérprete favorita. A 2ª. Guerra Mundial aproximava-se e em 1939 Lopes-Graça alistou-se no corpo de voluntários dos Amis de la Republique Française e colaborou com muitos patriotas espanhóis, exilados no rescaldo da guerra civil espanhola. Recusou naturalizar-se francês e antes da invasão alemã a França, foi obrigado a regressar a Portugal. Quando chegou desenvolveu grande actividade como compositor, pianista e crítico teatral no «Diabo» e musical na «Seara Nova». O músico organizou coros de amadores de música, para criar reportório, escreveu canções originais e harmonizou canções regionais portuguesas. Pedro Prado, seu ex-colega e amigo, tornou-se director de programas e convidou-o a ser director da secção de música da Emissora Nacional, mas Lopes-Graça recusou, por não querer satisfazer as formalidades de ordem política.

Em 1941, o músico leccionou na Academia de Amadores de Música, que se tornou um núcleo, de resistência e de independência ao regime, tanto a nível de intérpretes, como de público. No ano seguinte, com o apoio do director artístico, organizou a sociedade de concertos Sonata, para divulgar a música do século XX.
Hitler foi vencido, a guerra acabou e a paz foi celebrada em 1945, no entanto, em Portugal, prevaleceu o regime totalitário de Salazar e para o contestar apareceu o Movimento de Unidade Democrática (MUD). O matemático Bento de Jesus Caraça, fundador da Universidade Popular, tornou-se grande amigo de Lopes-Graça, ambos comungavam a mesma ideologia de esquerda e uniram-se na mesma luta, que tinha por objectivo uma intervenção política e cultural progressista na sociedade. Com os poetas José Gomes Ferreira, João José Cochofel e Carlos Oliveira, o músico compôs as Canções Heróicas, em defesa da paz e da liberdade, mas a censura proibiu a sua divulgação.

Dentro do âmbito da acção da Sonata, em 1948 foi promovida a primeira audição integral dos quartetos de Bartok, assim como toda a sua obra para piano, pela pianista Maria da Graça Amado, reunindo-se assim uma vanguarda intelectual, que estava politicamente contra a ditadura salazarista.

Na Academia de Amadores de Música, Lopes-Graça formou dois coros, um Coro de Câmara dos que sabiam música e uma Secção de Folclore, destinada aos que não sabendo música, podiam cantar as harmonizações de música regional portuguesa, feitas pelo compositor.

A Europa tinha sido dividida entre os Aliados e a Rússia de Estaline, que dominava a Polónia, a Checoslováquia e a Hungria. Lopes-Graça participou no 1º. Congresso para a Paz na Polónia, também foi a Praga ao 2º. Congresso dos Compositores e Musicólogos Progressistas e na qualidade de secretário da secção portuguesa da Sociedade Internacional de Música Contemporânea, na qual estava inserida a Sonata, deslocou-se a Amesterdão. Em 1949 foi convidado para fazer parte do júri do Concurso Internacional Béla Bartók, em Budapeste, mas foi impedido de sair do país. Por outro lado as divergências políticas, começaram a surgir dentro do meio democrático, Lopes-Graça por não concordar com a orientação ideológica assumida pela «Seara-Nova», abandonou a revista, de que era secretário da redacção desde 1946.
Na Academia de Amadores de Música em 1951, apareceu a publicação mensal «Gazeta Musical». Esta Academia era ponto de reunião de músicos, poetas, escritores e pintores anti-salazaristas e em 1969 foi-lhe movida uma acção de despejo, que nunca se veio a concretizar, pelos protestos levantados.

Em 1954, foi retirado a Lopes-Graça, o diploma do Ensino Artístico Particular, por razões políticas. O músico ficou sem poder dar aulas na Academia de Amadores de Música, nem em casa, ficou portanto sem meios para subsistir e decidiu partir para Paris, mas os seus amigos não permitiram, Manuel Rodrigues das «Edições Cosmos» encomendou-lhe um «Dicionário de Música», algo que o músico há muito projectava escrever.






Em 1961, Lopes-Graça conheceu o etnógrafo Michel Giacometti, que veio da Córsega, não só ficaram amigos como decidiram trabalhar juntos. Giacometti percorreria o país fazendo uma recolha das canções populares e Lopes- Graça trataria da selecção das mesmas e da sua divulgação.




















GIACOMETTI, Michel (1929-1990)
Fernando Lopes-Graça tinha uma grande paixão pela música e considerava que era de jovem que se devia incutir o gosto pela música, com este objectivo escreveu obras para os mais novos: Álbum do Jovem Pianista, Presente de Natal para as Crianças, sobre textos tradicionais, Canções e Rondas Infantis e As Cançõezinhas da Tila, com texto de Matilde Rosa Araújo, A Menina do Mar, com texto de Sophia de Mello Breyner e ainda belas canções de embalar.

Segundo o compositor francês e seu amigo, Louis Saguer, a música de Lopes-Graça é uma multiplicidade de técnicas e de estilos: da tonalidade mais clássica ao atonalismo mais marcante. Imbuído das ricas polifonias da música regional portuguesa e alimentado por um vasto tesouro de obras-primas de todo o mundo. A sua pesquisa foi feita em todas as direcções, na certeza de encontrar sempre a síntese necessária à própria expressão, enquanto músico e cidadão.
Em 1974 com a Revolução de Abril e a queda do regime autoritário toda a situação mudou, o músico assumiu a presidência da Comissão para a reforma do Ensino Musical criada pelo Governo Provisório. Instalada a democracia são também prestadas grandes homenagens ao músico, a Academia de Amadores de Música cantou no Coliseu, as Canções Heróicas e Lopes-Graça foi condecorado com a Ordem da Amizade dos Povos, em 1976 pelo Soviete Supremo da URSS e em 1980 pelo Presidente da Republica Mário Soares, que lhe deu o grau de Grande Oficial da Ordem Militar de Santiago de Espada.

Em 1979 Lopes-Graça tinha concluído o Requiem pelas Vítimas do Fascismo em Portugal, para cinco solistas vocais, coro misto e grande orquestra, que foi estreado em Lisboa em 1981. Nesse mesmo ano foi convidado pelo governo húngaro, para estar presente nas Comemorações do Centenário do nascimento de Béla Bartók.

Morreu em 27 de Novembro de 1994 na sua casa da Parede. Em 1995 foi editado pela Câmara de Cascais o Catálogo do Espólio Musical de Lopes Graça, um dos mais importantes compositores de Música Portuguesa.
OBRA DE FERNANDO LOPES-GRAÇA:Tem uma obra bastante extensa e diversificada de produção vocal, para piano, guitarra e violino, mas também música de câmara e música sinfónica. Da sua vasta obra podem destacar-se: 11 Glosas; Para uma criança que Vai Nascer; Bosquejos para orquestra de arcos, o ciclo de canções As Mãos e os Frutos, Canto de Amor e de Morte, para conjunto instrumental e a Cantata Melodrama D. Duardos e Flérida.
Ganhou diversos prémios: em 1940, obteve o primeiro prémio de Composição do Círculo de Cultura Musical com o 1º. Concerto para piano e orquestra; 1942 voltou a ganhar o prémio com, História Trágico-Marítima com poema de Miguel Torga; em 1944 ganha novamente com Sinfonia e em 1952 volta mais uma vez a ganhar com a 3ª. Sonata para piano. É ainda de referir, o Prémio Rainier III de Mónaco pelo, Quarteto de Cordas.

Em 1961 editou com Michel Giacometti o 1º. Volume da Antologia de Música Regional Portuguesa, em 1969 foi apresentado o Concerto de Câmara para violoncelo que tinha sido encomendado por Rostropovich, que foi naturalmente o seu intérprete, em 1975 In Memorium Béla Bartók, 8 suites progressivas para piano e em 1979 o
Requiem pelas vítimas do fascismo em Portugal.
REQUIEM PELAS VÍTIMAS DO FASCISMO EM PORTUGAL, É UMA OBRA REALMENTE MUITO DRAMÁTICA, QUE COM AS DEVIDAS DISTÂNCIAS ME DEIXA COM AS EMOÇÕES FEBRIS DO WAR REQUIEM DE BRITTEN
EXCERTO

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