O importante não é aquilo que fazem de nós, mas o que nós mesmos fazemos do que os outros fizeram de nós.
JEAN-PAUL SARTRE

segunda-feira, 26 de abril de 2010

A INSUSTENTÁVEL LEVEZA DO SER




Revi o filme, A INSUSTENTÁVEL LEVEZA DO SER. Já o tinha visto no cinema, assim como também li o livro de MILAN KUNDERA. O romance passa-se nas cidades de Praga e Zurique, em 1968. Narra amores e desamores e também está presente a invasão russa à Checoslováquia e o clima de tensão política que pairava em Praga, a «Primavera de Praga». O livro aborda alguns relatos históricos, inserindo a narração num contexto real, pode ser lido parte como realidade, parte como romance, mas o amor está sempre presente, com conflitos do amor ideal e do «amor real».
As personagens principais são: Tomas, um médico jovem, com uma vida livre de compromissos afectivos. Tem uma relação informal com Sabina, uma artista e uma versão de Tomas no feminino. Tudo muda na sua vida quando conheceu Teresa, numas termas, sentindo por ela uma atracção. Deixou-lhe um cartão para o visitar se fosse a Praga. Teresa foi e entregou a sua vida a Tomas, alojando-se na sua casa e fugindo de uma vida decrépita e sem sentido. Tomas não tem coragem de a mandar embora. Teresa vai lidar com as infidelidades de Tomas.

Revi o filme, porque depois de ter lido referências sobre o romance, que eu desconhecia, me interessou novamente revê-lo.
O que li aqui pela net: A riqueza do romance está essencialmente em aspectos psicológicos e filosóficos. As inspirações em filósofos, como Parménides, Sartre e Nietzsche, são óbvias.
Segundo teorias do filósofo Parménides Eléia (cerca de 530 a.C. – 460 a.C., a problemática da leveza e do peso, advém das dualidades ontológicas do Ser. A dualidade, porém, por força de uma perspectiva unitária do Ser, surge da presença e da ausência. Neste sentido, o frio é apenas a ausência de calor, o não calor. As trevas são a ausência de luz, a não luz. Para Parménides, contrariamente ao pensamento lógico-formal, a problemática da dualidade leveza/peso revela o peso como ausência, como não-leveza.
Kundera desloca esse pressuposto para o campo existencial, mesclando-a ao problema da liberdade humana, numa perspectiva próxima à problemática do existencialismo. A leveza decorre de uma vida liberta de compromissos aproximando-se, das ideias de Jean-Paul Sartre sobre a condição humana. Tomas vive a leveza, mas quando fica vinculado a Teresa, experimenta o peso opressivo do comprometimento. A leveza, despe a vida do seu sentido, o peso do comprometimento é uma razão de ser, sob a perspectiva existencialista.
Sob a perspectiva filosófica nietzscheana, Tomas levava uma vida autêntica, construindo os próprios valores. Teresa ilustra a problemática da escravidão: incapaz de realizar um empreendimento como o de Tomas, amarra-o pela força da sua impotência, chegando depois a admitir ter «destruído a sua vida». Tomás, encarnando metaforicamente a noção nietzscheana, revela que não se arrepende de nada, remetendo à doutrina do Eterno Retorno, da filosofia nietzscheana, um escape para o arrependimento que pode decorrer da escolha entre a leveza e o peso, o comprometimento e a liberdade pura.
Eterno Retorno, a possibilidade das situações existenciais se repetirem indefinidamente, por força de uma finitude das possibilidades frente à infinitude do tempo. O que parece um fundamento cosmológico vazio ganha implicações éticas imensas na perspectiva de Kundera: uma vida que desaparece não tem o menor sentido. Uma mentalidade educada sob a perspectiva de uma história cíclica, repetindo-se indefinidamente, dificilmente deixaria escoar-se, no vazio a própria vida. O argumento do Eterno Retorno assume então uma face de «convite à vida», com suas alegrias e tristezas. A ideia do Eterno Retorno convida o homem a fazer a vida valer a pena de ser vivida.
Kundera também se refere à questão da atitude humana da compaixão. Sob uma perspectiva filológica, compara o sentido da expressão nas línguas latinas e nas línguas germânicas, e as implicações dessa nuance na vida psicológica e sentimental dos indivíduos. Na língua latina a palavra compaixão significa simplesmente piedade, um sentimento que se impõe quando um indivíduo está em posição de superioridade frente a um outro que sofre a relação do poder dominador, tem compaixão, sem compartilhar do sentimento que leva o próximo a sofrer.
Na língua germânica, compaixão assume um sentido de "co-sentimento": o indivíduo que sente compaixão sofre junto com o seu próximo. Para Kundera, a compaixão é muito mais terrível do que a piedade porque a incapacidade humana de transpor os limites da subjectividade faz com que o sentimento careça de um certo esforço imaginativo que quase sempre multiplica a dor do próximo, fazendo-a mesmo maior do que a do próximo. Tomas sente compaixão por Teresa e, é através da mesma, que ela consegue prender-se a ele em definitivo desde o primeiro momento.
MILAN KUNDERA (1929)

Nasceu no seio de uma família erudita, o pai foi um importante musicólogo e pianista. Kundera aprendeu a tocar piano e estudou musicologia, Literatura e Estética, desistindo de tudo, para estudar cinema. Em 1950, foi temporariamente forçado a interromper os seus estudos por razões políticas. Neste ano, ele e outro escritor checo - Jan Trefulka - foram expulsos do Partido Comunista checo por «actividades anti-partidárias». Em 1956, Kundera foi readmitido no Partido Comunista, mas em 1970, foi novamente expulso. Kundera, assim como Václav Havel e outros intelectuais checos, envolveu-se na Primavera de Praga, que terminou com a invasão soviética à Checoslováquia. Kundera e Havel tentaram acalmar a população e organizar um levantamento reformista, frente ao totalitarismo comunista, desistiu definitivamente em 1975.
Kundera foi viver para França, onde se tornou um escritor de sucesso, recebendo, pelo conjunto da sua obra, o "Common Wealth Award" de Literatura (1981) e o "Prémio Jerusalém" (1985).

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