O importante não é aquilo que fazem de nós, mas o que nós mesmos fazemos do que os outros fizeram de nós.
JEAN-PAUL SARTRE

terça-feira, 1 de junho de 2010

AMADEU DE SOUZA-CARDOSO (1887-1918) - O VISIONÁRIO


Amadeu de Souza-Cardoso, nasceu em Manhufe, perto de Amarante, oriundo de uma família rica. A família quis que fosse para Coimbra estudar Direito, mas vocacionado para a arte, foi para Lisboa, cursar Arquitectura. Passado um ano desistiu e partiu para Paris, instalando-se em Montparnasse, para estudar pintura.


Meu querido tio

Estranhei a sua carta pela maneira como me compreendeu, ou eu mal me exprimi. A minha vida não é nada de contemplação, ao contrário tudo o que há de mais real, mais de facto. Nem eu sou um temperamento contemplativo, essa idade passou quando eu ia pelo Coliseu ouvir a Tosca. Não, isso permite-se numa outra idade, e se acaso não passa, é um sinal incontestável de inferioridade. Agora a minha idade é outra - resolver problemas e marchar, subir em cultura física, espiritual e artística ao mais alto degrau, aproveitar desta vida o mais possível, pois que tudo é passageiro, e o Céu outrora prometido já não seduz os homens modernos. Em Arte estamos em absoluto desacordo. De resto, estou-o também com os amigos compatriotas que marcham numa rotina atrasada. Arte é bem outra coisa que quase toda a gente pensa, é bem mais que muita gente julga. Tudo quanto para aqui se faz é medíocre, aparte raras coisas. Porque eu não gosto de Rodin ou Ticiano, todos me dizem que sigo um mau caminho. E porquê? Se cada um se fiasse no caminho que nos aconselham nada de mais se fazia, pois que eles, os outros, só sabem indicar-nos as suas próprias pisadas. Há gente que chama ao meu estado uma pretensão para sair fora do vulgar - que pensem o que queiram, indiferente me é - eu tenho as minhas razões e bastam. Eu sei o que agrada em geral - eu na generalidade desagrado. Até certo ponto não é menos lisonjeiro.
A técnica de que fala é coisa em que nem penso. Fixar aí a ideia é parar muito aquém do fim. Qualquer aprende. Ninguém deixa de fazer uma obra de arte intensa por falta de técnica, mas por falta de outra coisa que se chama temperamento.
Enfim, para mim os tais artistas de técnica acabaram.
Não é precisamente uma exposição que vou fazer. São apenas alguns desenhos e alguns cartões que fiz aí que colocarei no meu atelier com o fim de serem visitados em intimidade e ver se vendo alguns. Tudo isto são coisas a que não ligo nenhuma sorte de importância e talvez as únicas que poderei vender. As coisas que aí fiz serão más, há porém quatro ou cinco entre elas melhores que tudo quanto fiz até então. Eu não me iludo, sei separar-me de mim para julgar. O Vianna creio que partiu para não sei onde. As coisas que expôs nessa tal Academia, a meu ver, particularmente, não são absolutamente nada. Agora outra coisa: as minhas ideias não tem relação nenhuma com a nossa estima, e espero que me julgue sempre bom amigo e grato a toda a afeição e favores que me concede. Dê um abraço à Avozinha e outro para si do seu sobrinho e grande amigo
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Em Paris conviveu com: Amedeo Modigliani, Constantin Brancusi, Alexander Archipenko, Juan Gris e Robert Delaunay. Amadeu Modigliani, foi um dos seus grandes amigos, compartilhando com ele um atelier e até realizando exposições juntos, em 1911. Expôs pela primeira vez, no Salon des Indépendantse participou na exposição Armory Show (Estados Unidos da América) e voltou a Portugal, ousando fazer duas exposições, no Porto e em Lisboa. Ele era muito avançado, para o meio artístico português, uma «novidade escandalosa»! As suas obras foram criticadas, ridicularizadas e, por breves momentos, houve até confronto físico entre críticos e defensores da arte moderna. Amadeu foi sempre um incompreendido no seu país. Expôs depois no Herbstsalon da Galeria Der Sturm, em Berlim.
Poder-se-á dizer, que foi impressionista, expressionista, cubista, futurista, embora sempre tenha recusado qualquer rótulo. Apesar das múltiplas influências, procurava a originalidade e a criatividade na sua obra. Amadeo de Souza-Cardoso, nos seus últimos trabalhos, experimentou novas formas e técnicas, como as colagens e outras formas de expressão plástica.
Em 25 de Outubro de 1918, aos 31 anos de idade, morreu prematuramente em Espinho, vítima da "pneumónica" que grassava em Portugal.
Amadeo de Souza-Cardozo não teve oportunidade de ver o seu trabalho reconhecido: seguiu o mesmo trilho dos vanguardistas de todos os tempos e de todas as actividades, administrando a incompreensão alheia. Muito tempo se passou até que as opiniões fossem revistas e o seu nome ocupasse o devido lugar na história da pintura portuguesa.
Em 1925, a França realizou uma retrospectiva do pintor, com 150 trabalhos, bem aceites pelo público e pela crítica. Dez anos depois, em Portugal, foi criado um prémio para distinguir pintores modernistas, que recebeu o nome de «Prémio Souza-Cardoso». Em 1953, a Biblioteca-Museu de Amarante, sua cidade natal, deu a uma de suas salas o nome do pintor.
Lentamente, à medida que os preconceitos em relação ao modernismo foram sendo afastados, o nome de Souza-Cardoso ganhou a devida importância em Portugal. Ele era um visionário, vivia fora do seu tempo, tal como outros tantos, pagou um alto preço por isso.
ALGUNS QUADROS:
BARCOS
CABEÇA
CANÇÃO POPULAR A RUSSA E O FIGARO
COZINHA DE MANHOUCE

ENTRADA
LES CAVALIERS

PINTURA (BRUT 300 TSF)

PROCISSÃO CORPUS CHRISTI

SAUT DU LAPIN
Amadeu, título de uma «psico-socio-biografia» do pintor, do escritor Mário Cláudio, (Grande Prémio de Romance e Novela APE/IPLB 1984).

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