O importante não é aquilo que fazem de nós, mas o que nós mesmos fazemos do que os outros fizeram de nós.
JEAN-PAUL SARTRE

terça-feira, 8 de junho de 2010

PASSEANDO PELOS CLÁSSICOS

Há livros, que embora lidos, há alguns anos, nunca mais se esquecem! Li vários livros sobre Thoman Mann, (Lübeck, 6 de Junho de 1875 — Zurique, 12 de Agosto de 1955). Nobel de Literatura de 1929.
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DESTACO:
OS BUDDENBROOKS, um romance que conta a história de uma família protestante de comerciantes de cereais de Lübeck ao longo de três gerações. Fortemente inspirado na história da sua própria família, o romance foi lido com especial interesse pelos leitores de Lübeck que descobriram muitos traços de personalidades conhecidas. Thomas Mann é também um romancista analítico, que descreve como poucos a tensão entre o carácter nórdico, protestante, frio e ascético e as personagens mais rústicas, simples, bonacheironas, das regiões católicas, de onde se destaca o senhor "Permaneder", o paradigma do bávaro de Munique, em "Os Buddenbrook". Thomas Mann viveu entre estes dois mundos. Por um lado a origem familiar e o ambiente da ética protestante de Lübeck, por outro lado a voz interior e a influência da sua mãe brasileira, que o faziam interessar-se menos pelos negócios e mais pela literatura. A influência da mãe acabou por levar a melhor. Thomas Mann via nos Buddenbrook um exemplo de uma família em decadência, em que os descendentes não saberiam levar avante os negócios, que herdaram.
MORTE EM VENEZA, publicado em 1912, conta a história do escritor alemão Gustav von Aschenbach, que vai passar férias a Veneza. Lá, apaixona-se platonicamente pelo jovem polonês Tadzio, de 14 anos, e passa os dias a admirá-lo. O livro faz considerações de Aschenbach sobre as dicotomias, beleza natural do jovem e a arte da escrita tão arduamente trabalhada por ele, ou juventude e velhice, sabedoria e ignorância, saúde e doença."Não estava escrito que o sol desvia nossa atenção do intelectual para o sensível? Que ele entorpece e enfeitiça a razão e a memória de tal modo que a alma, entregue ao prazer, esquece inteiramente sua verdadeira condição e se apega surpresa e maravilhada ao mais belo dos objectos iluminados por ele?"Há citações da literatura clássica, como o relacionamento entre Sócrates e Fedro, tentando justificar os sentimentos amorosos expressos pelo autor. Contudo, o que torna a obra digna de leitura não é a história em si, mas a habilidade de Thomas Mann no manuseio das palavras para mostrar aspectos psicológicos.
Ao chegar a Veneza, o escritor descreve a passagem através de um Portal, sendo conduzido por um estranho gondoleiro até ao seu destino, mas ele desaparece deixando apenas a frase: "O senhor pagará". O Portal é identificado como o do Inferno, e gondoleiro Caronte, barqueiro do rio que leva as almas no rio Estiges. Predição funesta, contudo muito pertinente. Também interpreta a necessidade dos moradores de Veneza em esconder a doença que assola a cidade dos turistas: revelando um falso clima de paz que precedeu a Primeira Guerra Mundial (1914) e mostrando a falsa sensação de que "está tudo bem". O livro leva-nos a descobrir Aschenbach/Mann, os seus traumas, anseios, dúvidas, desejos e contradições. Aschenbach critica justamente aquilo em que depois se vai transformar, o êxtase que será a causa do seu infortúnio.
Teve uma adaptação cinematográfica excelente de Luchino Viscontti.
A MONTANHA MÁGICA ("Der Zauberberg"), publicado pela primeira vez em 1924. Thomas Mann faz um retrato de uma Europa em ebulição, no eclodir da Primeira Guerra Mundial. Imagem simbólica da corrosão da sociedade europeia antes da Primeira Guerra. Ao visitar o primo num sanatório, Hans Castorp acaba por contrair tuberculose. Permanece internado por sete anos, vivendo num ambiente de requinte intelectual. Ler “A Montanha Mágica” é aprender a morrer. Quem vive está morrendo um pouco, e nessa montanha vive-se muito devagar. Narra-se a história de Hans Castorp, um jovem sem muitas qualidades, que o autor apenas não quer chamar de medíocre. Estava um pouco esgotado, ao término de seu curso de engenharia. Antes de assumir um alto cargo na firma dos parentes, vai para um sanatório na montanha para repousar por quinze dias, com o pretexto de visitar o primo tuberculoso. Os médicos descobrem que ele trazia a doença embutida, e fica internado. Então opera-se uma transformação nele, paulatinamente, à medida que vai vivendo nesse lugar, em que parece que o tempo não existe. Na retrospectiva da sua vida, é interessante notar o paralelo com a de Thomas Mann, que também ficou sem pai e, embora tivesse a mãe, ficou entregue à indiferença dos parentes. Falando no paralelo biográfico, vamos notar já o inacreditável capítulo sobre o passeio na praia – isto na montanha, num lugar coberto de neve, mesmo no verão – como se a mãe do autor, brasileira, de Paraty, deixasse nele esse sentimento atávico do mar. Vai conhecendo os hóspedes da clínica, que parece não terem nada de extraordinário. São de facto pessoas comuns que têm uma doença incurável, na época, e convivem com ela da melhor maneira possível. Quanto melhor é essa convivência, quanto mais parecem normais, mais ganham profundidade psicológica, mais vamos conhecendo quanto de humano pessoas comuns carregam dentro de si. Como não poderia deixar de ser, há a discussão religiosa – na pessoa de duas das personagens mais interessantes, mais complexas, um escritor e um jesuíta, dois pândegos a princípio, que vão crescendo e dominando a cena. É a Cidade de Deus e a cidade dos homens em luta, ambas carregadas de erros, tentando justificar-se e impor-se. O desenlace dessa disputa será o clímax do romance. Sem vencedores, mas com perda e desengano. No entanto, a vida continua. Hans Castorp conhece ou pensa conhecer o amor. Não percebe que quem vive nas suas condições não tem direito a amar. É nas vésperas da 1ª Guerra Mundial, quando o mundo vai transformar-se, que Hans Castorp amadurece de repente.Livro, em que não acontece nada, e que nos deixa presos àquele mundo cheio de humanidade, que sangra sem que se perceba, que morre – e olha-se com galhardia a morte –, enquanto nos vamos enriquecendo interiormente. Não é apenas Hans Castorp que cresce ao longo do romance. Não são apenas as personagens – sem grandeza como nós – que crescem ao longo do romance. Nós também.

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