O importante não é aquilo que fazem de nós, mas o que nós mesmos fazemos do que os outros fizeram de nós.
JEAN-PAUL SARTRE

quarta-feira, 28 de julho de 2010

MARQUESA DE ALORNA - UMA MULHER À FRENTE DO SEU TEMPO

MARQUESA DE ALORNA
Disse a escritora, Maria Teresa Horta:
A marquesa de Alorna é para mim uma referência apaixonada. Minha génese, raiz de que tanto me envaideço, neta tentando perseguir-lhe os passos, as pistas, buscando-a que ando há seis anos a esta parte, ao longo da última metade do século XVIII e da primeira metade do século XIX (1750/1839), para a poder trazer até à minha ficção. Tentando entender-lhe mais do que o trajecto, a presença impositiva, o veemente pensamento, afinal sempre contraditório, mulher dividida que foi, ao longo de toda a sua longa vida, única mulher das luzes, de nacionalidade portuguesa. Há seis anos que o venho escrevendo como um romance. Texto que embora partindo da vida de Leonor de Almeida Portugal (Marquesa de Alorna ou Alcipe) não se quer sua biografia em quase nada, sendo-o todavia em quase tudo o que a ela diz respeito. Trajecto invulgar de uma mulher das luzes, dividida entre o coração e a razão, e sem dúvida, também, entre a poesia e o político. Teimosamente, impondo-se, desafiando sempre.Leonor de Almeida Portugal de Lorena e Lencastre (Lisboa, 31 de Outubro de 1750 — 11 de Outubro de 1839)
Vítima das perseguições do Marquês de Pombal para com a sua família, Leonor de Almeida de Portugal Lorena e Lencastre, nascida a 31 de Outubro de 1750, passou a maior parte da sua infância na cadeia, mas foi a primeira mulher portuguesa a estimular a revolução do bom gosto
O atentado contra D. José, na noite de 3 de Setembro de 1758, teve como suspeito o Duque de Aveiro e como cúmplices o Marquês e a Marquesa de Távora, os seus filhos e o Conde de Atouguia, D. Jerónimo de Almeida. D. José foi atingido na carruagem e os suspeitos presos e barbaramente justiçados em Belém.
O pai de Leonor, D. João de Almeida, Marquês de Alorna, era filho dos Marqueses de Távora e foi acusado de ter emprestado uma das armas usadas no atentado. Foi encarcerado no Forte da Junqueira e a mulher e as duas filhas, Leonor com oito anos e Maria, de seis, foram enclausuradas no Convento de S. Félix, em Chelas, local frequentado por muitos homens de letras.
Apenas o irmão, Pedro, de quatro anos de idade, ficou livre e foi admitido no Paço, vindo a morrer mais tarde, após uma carreira militar, em Koenigsberg, depois de ter acompanhado Napoleão à Rússia. Com a sua morte, o título dos Marqueses de Alorna passa para Leonor.
No convento, as duas crianças aplicam-se ao estudo das línguas e à poesia, que Leonor faz durante os dez anos de clausura. A morte de D. José e a subida ao trono de D. Maria I, liberta a família.
De enorme beleza, Leonor casa aos 18 anos com o Conde de Ceynhausen, um jovem oficial hanoveriano, vindo para Portugal com o conde reinante de Schaumbourg-Lippe. Os pais não aprovaram logo o casamento, uma vez que este significava o afastamento da filha do país. Após a sua nomeação como ministro é enviado para Viena de Áustria em 1801.
Em Viena, a vida foi difícil economicamente. Os filhos iam nascendo e o conde acaba por morrer em 1793 com 54 anos. Deixa a mulher com cinco filhos menores e uma pensão baixa, que mantêm a pobreza a rondar de perto. A Marquesa de Alorna sonha com ideias de liberdade e a sua poesia torna-se revolucionária.
De volta a Portugal, é de novo perseguida pelas suas ideias, desta vez por Pina Manique. Vê a sua casa revistada e é exilada em Londres, país que detesta. Só volta a Portugal em 1814, com enorme alegria, apesar de enfrentar enormes dificuldades financeiras. Empenha todos os seus bens, quadros e jóias e fica à mercê dos credores.
Mantém apenas uma pequena parte da casa de Alorna, onde recebe sempre os amigos, numa miséria dourada. Até com as filhas, a felicidade anda longe. Uma é amante de Junot, militar francês, sendo casada, e a outra fora raptada por um médico português fixado em Londres.
A sua residência transforma-se num foco de ebulição cultural, onde se debatem as novas ideias políticas e também as novas correntes estéticas e literárias. Presentes estão Bocage e Alexandre Herculano, em períodos diferentes. Escolhe o pseudónimo de Alcipe e trabalha em traduções de latim, alemão, inglês e francês, cultiva a epistolografia e escreve poesia, reunida em seis volumes, "Obras Poéticas da Marquesa de Alorna" (1844)
Com tantas contrariedades, Leonor, marquesa de Alorna morre em Lisboa no ano de 1839, mas a sua influência literária produziu efeitos numa época de pré-romantismo, que marca a sua poesia, aberta a todas as culturas do seu tempo.
Liberal, atacou as formas de despotismo, de que foi vítima e exaltou a liberdade. As suas cartas a amigos e família, constituem um documento histórico da sua época, de um espírito que viveu para lá do seu tempo.

CANTIGA
Sozinha no bosque
Com meus pensamentos,
Calei as saudades,
Fiz trégua a tormentos.
.
Olhei para a
Que as sombras rasgava,
Nas trémulas águas
Seus raios soltava.
.
Naquela torrente
Que vai despedida
Encontro assustada
A imagem da vida.
.
Do peito em que as dores
Já iam cessar,
Revoa a tristeza
E torno a penar.

O PIRILAMPO E O SAPO
Lustroso um astro volante
Rompera as humildes relvas:
Com seu voo rutilante
Alegrava à noite as selvas.
.
Mas de vizinho terreno
Saiu de uma cova um sapo,
E despediu-lhe um sopapo
Que o ensopou em veneno.
.
Ao morrer exclama o triste:
- Que tens tu de que me acuses?
Que crime em meu seio existe?
Respondeu-lhe: – Porque luzes?
.

SONETOS
1-
Esperanças de um vão contentamento,
por meu mal tantos anos conservadas,
é tempo de perder-vos, já que ousadas
abusastes de um longo sofrimento.
.
Fugi; cá ficará meu pensamento
meditando nas horas malogradas,
e das tristes, presentes e passadas,
farei para as futuras argumento.
.
Já não me iludirá um doce engano,
que trocarei ligeiras fantasias
em pesadas razões do desengano.
.
E tu, sacra Virtude, que anuncias,
a quem te logra, o gosto soberano,
vem dominar o resto dos meus dias.
.
2-Eu cantarei um dia da tristeza
por uns termos tão ternos e saudosos,
que deixem aos alegres invejosos
de chorarem o mal que lhes não pesa.
.
Abrandarei das penhas a dureza,
exalando suspiros tão queixosos,
que jamais os rochedos cavernosos
os repitam da mesma natureza.
.
Serras, penhascos, troncos, arvoredos,
ave, ponte, montanha, flor, corrente,
comigo hão-de chorar de amor enredos.
.
Mas ah! que adoro uma alma que não sente!
Guarda, Amor, os teus pérfidos segredos,
que eu derramo os meus ais inutilmente.
.
3-Vai a fresca manhã alvorecendo,
vão os bosques as aves acordando,
vai-se o Sol mansamente levantando
e o mundo à vista dele renascendo.
.
Veio a noite os objectos desfazendo
e nas sombras foi todos sepultando;
eu, desperta, o meu fado lamentando.
fui com a ausência da luz esmorecendo.
.
Neste espaço, em que dorme a Natureza.
Porque vigio assim tão cruelmente?
Porque me abafa o peso da tristeza?
.
Ah, que as mágoas que sofre o descontente,
as mais delas são faltas de firmeza.
Torna a alentar-te, ó Sol resplandecente!

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