Profecia
.Nem me disseram ainda para o que vim.
Se logro ou verdade,
se filho amado ou rejeitado.
Mas sei que quando cheguei
os meus olhos viram tudo
e tontos de gula ou espanto
renegaram tudo — e no meu sangue
veias se abriram noutro sangue...
A ele obedeço, sempre, a esse incitamento mudo.
Também sei que hei-de perecer, exangue,
de excesso de desejar;
mas sinto, sempre, que não posso recuar.
Hei-de ir contigo bebendo fel, sorvendo pragas,
ultrajado e temido, abandonado aos corvos,
com o pus dos bolores e o fogo das lavas.
Hei-de assustar os rebanhos dos montes
ser bandoleiro de estradas.
— Negro fado, feia sina,
mas não sei trocar a minha sorte!
Não venham dizer-me com frases adocicadas
(não venham que os não oiço)
que levo caminho errado,
que tenho os caminhos cerrados à minha febre!
Hei-de gritar, cair, sofrer — eu sei.
Mas não quero ter outra lei,
outro fado, outro viver.
Não importa lá chegar...
O que eu quero é ir em frente sem loas,
ópios ou afagos dos lábios que mentem.
É esta, não é outra, a minha crença.
Raios vos partam, vós que duvidais,
raios vos partam, cegos de nascença!
.
Coisas, Pequenas Coisas
.Fazer das coisas fracas um poema.
Uma árvore está quieta, murcha, desprezada.
Mas se o poeta a levanta pelos cabelos
e lhe sopra os dedos,
ela volta a empertigar-se, renovada.
E tu, que não sabias o segredo,
perdes a vaidade.
Fora de ti há o mundo e nele há tudo
que em ti não cabe.
Homem, até o barro tem poesia!
Olha as coisas com humildade.
.Ó Noite, Coalhada nas Formas de um Corpo de Mulher
.Ó noite, coalhada nas formas de um corpo de mulher
vago e belo e voluptuoso, num bailado erótico,
com o cenário dos astros, mudos e quedos.
Estrelas que as suas mãos afagam e a boca repele,
deixai que os caminhos da noite,
cegos e rectos como o destino,
suspensos como uma nuvem,
sejam os caminhos dos poetas
que lhes decoraram o nome.
Ó noite, coalhada nas formas de um corpo de mulher!
Esconde a vida no seio de uma estrela e fá-la pairar,
assim mágica e irreal,
para que a olhemos como uma lua sonâmbula.
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