O importante não é aquilo que fazem de nós, mas o que nós mesmos fazemos do que os outros fizeram de nós.
JEAN-PAUL SARTRE

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

FREYA STARK – A ÚLTIMA ROMÂNTICA


Quando morreu em 1993, acabava de fazer 100 anos. Freya foi uma das mulheres mais singulares e extraordinárias do século passado. Os jornais de todo o mundo elogiaram a sua pessoa. «A Rainha Nómada», «uma viajante lendária», «uma senhora audaz», foram alguns dos títulos dedicados à sua memória, mas foi o jornal londrino «The Times» quem melhor a descreveu. «Freya, a última viajante romântica».
Dame Freya Stark percorreu sozinha o Médio Oriente, da Pérsia até ao Iémen, explorou e descobriu cidades perdidas, atreveu-se a visitar os rebeldes drusos no Líbano, trabalhou como espia e chegou a organizar uma rede de espionagem anti-nazi. Foi, sobretudo, uma magnífica escritora, publicou 30 livros sobre as suas aventuras e quatro volumes auto- biográficos que transportaram o leitor a um mundo de dunas, caravanas, valentes cavaleiros e haréns, um mundo hoje, quase em extinção.
Lawrence Durrell definiu-a como «uma poeta das viagens», embora tivesse sido também: exploradora, filósofa, desportista e artista. Falava nove idiomas, conseguiu que a machista Real Sociedade Geográfica de Londres lhe concedesse uma distinção pelos seus estudos cartográficos e, entre muitas outras honrarias que recebeu, foi-lhe concedido o título de dama pela rainha de Inglaterra. Quando já era muito popular numa carta à mãe em 1930, escreveu: «Um dia destes tenho que fazer uma lista, dos que me consideraram louca».
A sua vida é o guião de um filme onde não faltam paisagens exóticas, viagens audaciosas, extravagâncias, amores impossíveis, penúria económica, uma infância infeliz e uma longa lista de doenças que sempre a acompanharam. Freya era no entanto uma mulher valente, onde se escondia uma menina solitária e adoentada, nascida em Paris, em 1893, que cresceu na Itália e começou a viajar para escapar a uma vida desinteressante e uma mãe possessiva.
Nos seus relatos autobiográficos recorda como muito cedo começou a viajar. O pai levava-a dentro de uma cesta nas suas excursões pelas Dolomitas, na Itália. Os pais foram sofisticados artistas, cultos e boémios, que levaram uma vida bastante nómada até se separarem. Freya instalou-se então com a mãe no norte de Itália. Ali cresceu e passou a sua juventude, mas sempre se sentiu inglesa e admiradora do Império Britânico.
A sua primeira viagem ao Médio Oriente, ocorreu em 1927, tinha 34 anos e chegou a Beirute, após uma penosa viagem num cargueiro, para estudar e aperfeiçoar o árabe, numa aldeia montanhosa. Ao contrário de Gertrude Bell, que explorou durante anos estas mesmas religiões, viajava com um equipamento ligeiro, sem cartas de recomendação, sem amigos e sem dinheiro. Sentiu um forte chamamento do Oriente e sonhava com os intermináveis desertos da Arábia salpicados de ruínas e antigas fortalezas. Os apaixonantes relatos dos exploradores e orientalistas do século XIX, que se haviam aventurado por essas terras disfarçados de ascetas ou peregrinos, tinham incendiado o seu espírito aventureiro.
Depois de ter estado durante uns tempos na aldeia de Brummana, planeou a sua viagem. Atraída pela história e os costumes dos drusos, povo sírio que sentia grande hostilidade em relação aos estrangeiros, propôs-se visitá-los e percorrer as suas aldeias.
Em 1928 dirigiu-se a Damasco, para organizar a sua viagem até ao território de Yebel ed- Druz, ou Montanha dos Drusos para falar com o líder espiritual desta comunidade libanesa. A ideia era então despropositada porque esta região se encontrava sob a lei marcial francesa. Na companhia de uma amiga viajaram 100 kilómetros montadas em burros, com destino às montanhas, mas foram detidas por tropas francesas, que não acreditaram naquelas excêntricas mulheres. O facto esteve quase para criar um incidente internacional, mas serviu para a popularizar.
No ano seguinte chegou a Bagdade, capital do Iraque, com a ideia de estudar uma seita religiosa que durante anos tinha aterrorizado o Oriente. Alugou um pequeno quarto num popular bairro de prostitutas, provocando um escândalo entre as damas britânicas. Alheia a críticas, dedicou-se a estudar a fundo o Corão, a preparar novas viagens e a escrever, para livros que mais tarde foram publicados e que inspiraram toda uma nova geração de viajantes. Foi uma experiente exploradora, preenchendo os espaços vazios nos mapas do governo britânico e corrigindo numerosos erros cartográficos.
Freya viajou até uma idade bem avançada. Durante uma década dedicou-se a explorar a Turquia, que se converteu num dos seus países preferidos. Com mais de 70 anos visitou a China pela primeira vez, conduziu um jipe através do Afeganistão e participou num trekking no Nepal. Com quase 90 anos atravessou montada numa mula algumas zonas do Himalaia, a mais de 5 000 de altitude. Foi a última grande viajante e uma mulher revolucionária para o seu tempo.
FONTE: Moratò, Cristina, «Viajeras Intrepidas y Aventureras» (ed. Plaza y Janés)

Nenhum comentário:

Postar um comentário