Ensaio Sobre a Constituição da Europa é a última obra de Jürgen
Habermas, com uma vasta obra editada, diversificada na sua temática: teoria
política, sociologia, ética do discurso e crítica da razão.
Neste livro são tratadas questões na ordem do dia e mesmo
decisivas, no sentido de melhorar a Europa e o Mundo, embora por muitos seja
acusada de ser uma «fantasmagoria» normativa própria de um espírito utópico.
O filósofo alemão é um homem de inquietações e uma das suas
inquietações é a imagem de uma «Europa sem Europa», procurando eliminar os
bloqueios em relação a uma transnacionalização da democracia, colocando a
unificação europeia no contexto de uma jurisdição democrática.
Em entrevista a Thomas Assheuer disse: «A minha maior preocupação é a injustiça social, que brada aos céus, e
que consiste no facto de os custos socializados do falhanço do sistema
atingirem com maior dureza os grupos sociais mais vulneráveis. Toda esta
tragédia humana – este escândalo político, este darwinismo social, este
programa de submissão desenfreada do mundo da vida aos imperativos do mercado –
é acompanhada de um enfado com a política ao qual não é alheia a ascensão ao
poder de uma geração desarmada em termos normativos, incapaz de assumir objetivos,
causas e esperanças».
Num quadro de crise política, económica e social, onde
muitos, já foram duramente atingidos, que fazer? Como ultrapassar a política
ridícula e hipócrita da «normalidade social»? Como ultrapassar o flagrante
fracasso europeu? Habermas sugere o caminho: «pensar a pessoa, pensar a sua dignidade, pensar os povos»!
A crise da União Europeia à luz de uma constituição do
direito internacional permite a Jürgen Habermas tentar uma narrativa nova, no
seu livro, a partir da perspetiva de uma constitucionalização do direito
internacional.
«O debate atual sobe
a Europa restringe-se e continua a restringir-se às saídas imediatas para a
crise bancária, monetária e da dívida, perdendo de vista a dimensão política:
os conceitos políticos incorretos ocultam a força civilizadora da jurisdição
democrática e o compromisso desde o princípio ao projeto constitucional
europeu. Políticos e economistas colocados perante a única saída possível - «Mais
Europa» - insistem nos conhecidos erros da construção da União Europeia. «Mais
Europa» implica um aprofundamento das competências e não o caminho saturado de
um existencialismo político errante que vai desde os compromissos assumidos em
cimeiras, ineficazes e não democráticas, até à aceleração da «perda de
solidariedade a nível europeu». Mais do que isso olham para os ditames dos
grandes bancos e agências de notação e não para o desfalque legitimatório
perante as suas próprias populações. Em vez de levar a sério um projeto
europeu, opta-se por caminhos ínvios».
Como sintetiza Habermas: «instalou-se um estranho fenómeno de acatalepsia onde se mistura ceticismo,
dúvidas não metódicas, incapacidade de compreender. As elites
político-económicas sentem-se confortáveis com incrementalismos, mas teimam em
não assumir a força civilizadora do direito democrático. Tão pouco parecem
compreender o «regresso da questão democrática», sendo óbvio que os Estados
pagam a governação baseada na intergovernabilidade com o decréscimo dos níveis
de legitimação democrática». Segundo Habermas: «o espaço de manobra da autonomia cívica só não fica reduzido se os
cidadãos em causa participarem na legislação supranacional em coo-questões – de
direito constitucional, internacional e de direito europeu – quanto a este
processo de jurisdição».
É sabido que três
instâncias – cidadãos, povo, estado – são convocadas de forma muito diversa
para explicar concetualmente a estruturação constituinte da União Europeia. Por
amor ao Estado, alguns enfatizam o patriotismo nacional e identificam
constituição com estado. Outros, navegando no cosmopolitismo sem fronteiras,
preferem esquemas de regulação global para além do estado-nacional, os cidadãos da União Europeia devem ter um
interesse legítimo em que o seu Estado nacional continue a desempenhar o papel
comprovado de garante do direito e da liberdade, mesmo quando assume o papel de
Estado-Membro. É importante o papel atribuído aos Estados como neutralizadores
de «evolução reacionária» ou de «retrocesso social». Os Estados nacionais são
mais do que a mera materialização de culturas nacionais dignas de preservação;
eles garantem um nível de justiça e liberdade que os cidadãos desejam, com toda
a razão, ver preservado».
«Qualquer acordo
institucional deve acentuar as dimensões profundas democrático-igualitárias
veiculadoras de solidariedade entre «cidadãos dispostos a responsabilizar-se uns
por outros» e a assumir a disponibilidade para também fazer sacrifícios, com
base numa reciprocidade de longo prazo. «O facto da União Europeia ter sido,
até agora, essencialmente sustentada e monopolizada por elites políticas, gerou
uma assimetria perigosa entre a participação democrática dos povos naquilo que
os seus governos «conquistam» para eles no palco de Bruxelas – que consideram
muito longínquo – e a indiferença, se não mesmo desinteresse, dos cidadãos da
União no que diz respeito às decisões do seu Parlamento, em Estrasburgo. Todos
sabemos: com indiferença, desinteresse e distância não se constroem democracias
– muito menos transnacionais. O resultado é um «buraco negro», vulgarmente designado por «déficite democrático» da
União Europeia. Este «déficite» corre o risco de se converter num arranjo para
o exercício de um domínio pós-democrático e burocrático».
«A crise do euro pôs
a claro o «clube dos ilusionistas» e revelou os pontos fracos do Tratado de
Lisboa. Este Tratado não dota a EU de meios para enfrentar os desafios que se
lhe colocam enquanto União Económica e Monetária. O que é preciso não é apenas
ultrapassar as barreiras institucionais, mas exigir uma alteração radical no
comportamento das elites políticas. È necessário uma coesão política reforçada
pela coesão social, para que a diversidade nacional e a riqueza cultural
incomparável do biótopo – velha Europa – possam ser protegidas no seio de uma
globalização que avança rapidamente».
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