Há uns anos, num sótão em Inglaterra, foi encontrado um velho diário que descrevia uma incrível e temerária viagem ao coração de África por volta de 1870. O autor era uma mulher, Florence von Sass, a amante e depois mulher de um dos mais famosos exploradores britânicos da época vitoriana, Samuel Baker. Enquanto ele recebeu todas as honras, a figura da companheira ficou no mais absoluto anonimato.
A sua história de amor, foi a mais romântica e escandalosa daquele tempo, Baker um extravagante milionário «bon vivant» escocês, tinha enviuvado quatro anos antes de aceitar, um convite para caçar javalis no Danúbio. Numa cidade otomana da actual Bulgária encontrou uma jovem húngara que ia ser vendida num mercado de escravos. Ficou cativado pela sua beleza e comprou-a. Florence tinha 17 anos e um passado misterioso, salvou-se de um destino terrível, ir parar a um harém turco. Desde aquele momento nunca mais se separaram, organizaram juntos, várias expedições pelo continente africano e potenciaram a imagem que Hollywood pôs mais tarde na moda: um explorador galante acompanhado por uma corajosa rapariga loura.
Em 1862, quando a Royal Geographical Society pediu a Samuel que se casasse, eles estavam de viagem em Cartum, a capital do Sudão, com os exploradores Speke e Grant, que procuravam desde há meses as míticas nascentes do Nilo. Para isso, tinham de viajar até Gondokoro, uma cidade perigosa, centro de tráfico de escravos. Sabiam que ia ser uma viagem muito dura, que teriam de enfrentar selvas pantanosas, feras, tribos hostis e as temidas febres.
Florence e Samuel chegaram a Gondokoro em 1863 e ali esperaram pelos dois exploradores, que chegaram doentes e esgotados, mas felizes por terem descoberto o enigma do nascimento do Nilo Branco no Lago Vitória. Enquanto recuperavam forças contaram aos Baker que existia outro lago que poderia ser uma segunda fonte do Nilo.
Speke e Grant sabiam que seria outra viagem muito difícil e aconselharam Florence a ficar, mas o intrépido casal não se separou.
Foi um ano em buscas do inexplorado lago, uma das viagens mais dura e penosa daquela época de explorações. Um ano de dificuldades, de doenças, temperaturas insuportáveis, ataques de feras e da hostilidade constante das tribos locais.
Florence esteve a altura deste desafio, com uma coragem e sangue frio surpreendentes. Esta mulher loura, magra, de aspecto delicado, revelou ser uma magnífica exploradora. Aprendeu depressa a caçar e a defender-se das feras, usando calças cómodas e botas grossas, deixando de lado a roupa vitoriana. Samuel elogiou sempre a coragem da companheira, que se tornou numa heroína nos seus livros.
Poucos dias antes de chegar ao seu destino, Florence sofreu uma insolação e ficou dez dias de coma e a delirar. Samuel temeu a sua morte, mas ela sobreviveu a essa e a outras doenças.
Em 1864 divisaram o lago, que Baker baptizou com o nome de Alberto, em honra do falecido marido da rainha Vitória.
Poucos viajantes se atrevem hoje a visitar este extenso espelho de água, partilhado pelo Uganda e pela República Democrática do Congo. As guerrilhas e os bandidos transformaram esta mítica região dos grandes lagos num perigo sério para os visitantes estrangeiros. Lá continuam como então as cubatas de palha e lama, os enormes crocodilos jazendo ao sol e as espectaculares cataratas Murchinson formadas pelo Nilo Vitória no seu caminho para o Lago Alberto. Comprimidas numa garganta rochosa de sete metros de largura, as suas águas caem no vazio, no meio de um ruído ensurdecedor.
Depois da esgotante expedição africana, os Baker decidiram regressar a Londres. Embora tivessem casado, a rainha Vitória, que nomeou Samuel cavaleiro, negou-se a receber a mulher no palácio. A sociedade vitoriana, não lhes perdoou, que tivessem passeado o seu romance tórrido por África, antes de se terem casado.
Florence encaixou o vexame com a diplomacia habitual, para ela eram suficientes os elogios do marido, que escreveu num dos seus relatos: «Cheguei realmente às nascentes do Nilo? Não foi um sonho. Tinha a meu lado um rosto ainda jovem, bronzeado, mas macilenta e consumida pelas doenças; a leal companheira da minha peregrinação, a quem devo o meu êxito: a minha mulher».
FONTE: Moratò, Cristina, «Viajeras Intrepidas y Aventureras» (ed. Plaza y Janés)
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