O importante não é aquilo que fazem de nós, mas o que nós mesmos fazemos do que os outros fizeram de nós.
JEAN-PAUL SARTRE

sábado, 7 de janeiro de 2012

HIJAB – AS MULHERES POR TRÁS DA CORTINA

A introdução do «véu» islâmico em 627 não foi pacífica. Maomé, quando casou com Zeinab, mulher do seu filho adoptivo, escandalizou parte da comunidade dos crentes e mudou para sempre as regras de vida de todos eles.

Ó vos que credes! Não entrei na casa do Profeta se não se vos dá permissão para comer! Não entreis sem antes esperardes a hora! Mas, quando se vos convidou, entrai. Depois de comer, retirai-vos sem vos entregardes familiarmente à conversa. Isto ofende o Profeta, envergonha-se de vo-lo dizer, mas Deus não se envergonha da Verdade. Quando pedirdes um objecto às suas mulheres, pedi-o por detrás de uma cortina. Isto é mais puro para os vossos corações e para os seus corações.»

( Corão, Versículo 53, Capítulo 33)

Momé proferiu estas palavras – uma revolução divina, segundo os devotos muçulmanos – no ano 5 da Hégira ou 627 d.C. Foi na noite de núpcias com Zenaib Blint Jahsh, a jovem de quem seu filho adoptivo, Zaid, se divorciou quando se apercebeu que o Mensageiro de Alá se apaixonara por ela.

O casamento com Zeinab escandalizou a «umma» ou comunidade dos crentes, porque fez ruir muitos princípios estabelecidos. O divórcio não era permitido. Um pai não podia unir-se à esposa do seu filho. E os fiéis tinham apenas autorização para ter quatro mulheres.

Maomé terá procurado resistir às tentações, mas Deus ofereceu-lhe, segundo os que acreditam, um salvo-conduto para seguir o coração. Assim, o que poderia parecer uma relação incestuosa passou a ter legitimidade. A adopção de Zaid, antigo escravo, tornou-se uma ligação filial meramente simbólica. Com a bênção dos céus e apesar do choque terreno, Zeinab, que era prima do Profeta, tornou-se a sua quinta mulher.

Para apaziguar os críticos, Maomé deu uma festa no dia em que se casou. Três convidados perderam a noção do tempo e delongaram a sua presença, por mais tempo que o anfitrião desejava. Este, foi incapaz de os mandar embora. O relato foi feito por Anas Ibn Malik, um dos chamados, Companheiros do Profeta».

«Eu tinha sido encarregado de convidar as pessoas para o jantar do casamento. Eles chegavam em grupos, comiam e partiam. O Profeta depois disse: «acaba com a festa» e saiu contrariado. Voltou quando todos se tinham ido embora e deixou cair uma «sitr», entre ele e eu, e o versículo do «hijab» desceu nesse momento». O «hijab» desceu, não para separar um homem de uma mulher, mas para apartar dois homens: Maomé e Anas Ibn Malik.

«Hijab» deriva da palavra árabe «hajaba» que significa, «ocultar com um «sitr» ou cortina. «Satara» e «Hajaba» querem dizer ambas esconder. Um incidente menor, que Maomé podia ter resolvido pedindo às pessoas para sair, provocou uma resposta fundamental.

A socióloga marroquina, Fatima Mernissi, analisou tudo que aconteceu e supõe pelo relato, que as pessoas costumavam visitar o Profeta sem grandes formalidades e que a mesquita onde vivia era um lugar de oração e de reunião da comunidade.

Segundo Mernissi, num período decisivo para a consolidação do islão como religião monoteísta, numa Arábia viciada em múltiplas divindades, Maomé pronunciou um versículo «determinante e excepcional» para a fé que propagava. Ao pretender separar o público do privado, o profano do sagrado, acabou por conduzir à segregação dos sexos. «O véu que desceu dos céus haveria de cobrir as mulheres, separá-las dos homens, do Profeta e de Deus».

A jornalista americana Geraldine Brooks observa, por seu turno, que um dos aspectos mais intrigantes do «versículo do hijab» é o fato das instruções que apenas diziam respeito às esposas de Maomé, se terem tornado regra para todas as muçulmanas.

O impacte sobre as mulheres do Profeta foi imenso. As mulheres deixaram de poder misturar-se com os homens na mesquita.


Com a Revolução Islâmica no Irão em 1979, o «hijab» tornou-se verdadeiramente um símbolo religioso e político. Foi a resposta do «ayatollah» Ruhollah Khomeini à repressão imposta pelo defunto Reza Xá (pai do último imperador da Pérsia) que em 1935 proibiu o «chador». O fundador da dinastia Pahlavi queria modernizar o país à força e mandava os seus guardas para a rua armados de tesouras para cortar as túnicas negras.

A professora iraniana, Sattareth Farman Farmaian, conta que a mãe quando foi impedida de usar o véu da sua modéstia, se isolou. «Ela e outras pessoas conservadoras olhavam para a ordem de Reza como a pior coisa que lhe podiam fazer, pior que os ataques que ele desferia aos líderes religioso, pior do que as suas expropriações e assassínios». Mais tarde usar o «chador» funcionou como forma de oposição ao Xá.

Nas mesquitas, pregadores alegam que se todas usassem o véu, as mulheres podiam ficar mais tranquilas que os seus maridos, quando ausentes de casa, jamais seriam atraídos por sedutoras. Shabbir Akhtar, especialista em estudos islâmicos é de opinião contrária: «O objetivo do véu é criar uma verdadeira cultura erótica que dispensa a necessidade de excitação artificial, que a pornografia fornece».

Em ambos os caos, as mulheres são obrigadas a sacrificar o seu conforto e liberdade para servir os requisitos da sexualidade masculina: seja para reprimir ou estimular os ímpetos sexuais dos homens.

Naheed Mustafa, canadiana e formada pela Universidade de Toronto, em História, usa o «hijab» e diz: «Eu uso o «hijab» porque sou uma muçulmana para quem o seu corpo só a ela diz respeito. Usar o «hijab» liberta-me da constante atenção sobre o meu físico. A minha aparência deixa de estar sujeita ao escrutínio público, a minha beleza ou falta dela deixa de estar no limiar do que pode ser discutido».

Há razões diversas que não se entendem, dai a controvérsia gerada sobre o uso do véu. No Ocidente a ostentação de símbolos religiosos é uma afronta a uma intocável laicidade.

FONTES:

ALCORÃO, Parte II

«Brooks, Geraldine, «Nine Parts of Desire, The Hidden World of Islamic Women»

Farmaain, Sattareh Farman, «Daughter of Persis, A Woman’s Journey from her Father’s Harem through the Islamic Revolution

Mernissi, Fatima, «The Veiland the Male Elite, A Feminist Interpretation of women’s Rights in Islam

(Para:C&H)

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