O importante não é aquilo que fazem de nós, mas o que nós mesmos fazemos do que os outros fizeram de nós.
JEAN-PAUL SARTRE

domingo, 29 de janeiro de 2012

GERTRUDE BELL – VITORIANA NO DESERTO


A lista dos seus feitos é interminável. Foi a primeira mulher que se licenciou em História Moderna em Oxford, especialista no Médio Oriente, agente política durante a Primeira Guerra Mundial, Medalha de Ouro da Sociedade Real de Geografia, condecorada com a ordem do Império Britânico, publicou sete livros altamente reconhecidos. A tudo isto ainda há a acrescentar: aventureira, arqueóloga reconhecida, viajante incansável que percorreu de camelo as zonas mais perigosas do deserto da Arábia, assessora de reis e xeques árabes.
Gertrude era uma jovem vitoriana da alta burguesia que herdou, entre outras qualidades, a inteligência e a vitalidade do seu avô, o metalúrgico mais notável da sua época, com uma das maiores fortunas do país. Gertrude Bell sempre viveu rodeada de homens, partilhou café e cigarros, entre outros, com Churchill, o rei Faisal e Lawrence da Arábia. Chegou a ser uma das mulheres mais poderosas do Império Britânico, embora o reitor da Universidade de Oxford não soubesse disso quando, em 1886, falou assim às poucas alunas que ali estudavam – entre elas Gertrude -: «Deus fez-vos inferiores a nós a permanecerão inferiores até ao fim dos tempos».
Gertrude Bell nasceu em Inglaterra em 1868 e recebeu a educação típica de uma jovem da sua classe. Claro que tinha outros planos; não perdeu tempo a procurar marido, preferiu viajar e cultivar-se. Atraída pelo Oriente, elegeu a Pérsia. Tinha 23 anos quando chegou a Teerão e ali descobriu o paraíso das Mil e Uma Noites que a sua mãe lhe lia quando era menina. Aproveitou ao máximo o tempo. Dedicou-se a estudar persa, cavalgou pelo deserto, ouviu poetas persas recitar, aprendeu a arte da falcoaria e subiu à Torre do Silêncio, de onde os seguidores de Zoroastro lançavam os seus mortos. No seu regresso, enamorada pelo Oriente, concentrou-se em escrever as suas experiências e em traduzir os belos poemas de Hafiz.
A partir de então Gertrude apenas se dedicou a viajar e a escrever. Correu boa parte do mundo. Em 1899 mudou-se para Jerusalém, começando uma nova vida longe da asfixiante e aborrecida sociedade vitoriana, onde era apenas uma solteirona excêntrica de 33 anos que não tinha sido capaz de encontrar marido. Desde Jerusalém planeou as suas primeiras explorações do deserto. Viajava a cavalo com um cozinheiro e dois muleteiros pelos caminhos poeirentos rumo a Jericó ou ao vale do Jordão. Gertrude fotografava e tirava as medidas a todas as ruínas e palácios persas inacabados que encontrava no seu caminho.
Chegou a Petra, a antiga capital dos nabateus esculpida em pedra rosa e acampou de noite debaixo das suas colunas coríntias e escreveu no seu diário: «Quando alguém entra tão fundo no Oriente, não pode viver longe dele». Antes de regressar, visitou as pequenas aldeias da Palestina, a região dos temidos drusos e extensos territórios jamais explorados por uma europeia.
Em 1909 preparou a sua grande viagem, desde a Síria à Mesopotâmia para estudar seriamente as igrejas romanas e bizantinas e fazer moldes de pedra para os seus estudos arqueológicos. Viajou desde Alepo, para chegar ao Iraque através do deserto sírio, percorreu depois uns 650 qui lómetros até ao sudeste seguindo o leito do rio Eufrates até Bagdad, ali marchou para o norte, até à Turquia, ao largo do rio Tigre. Gertrude preparou a sua viagem e a sua pesada bagagem. Precisou de sete animais de carga, uma dezena de cavalos, três muleteiros, dois criados e dois soldados. Nos seus volumosos baús não faltava nada, nunca deixou de ser uma elegante dama britânica.
Nos sete meses de viagem falou com beduínos, percorreu zonas inexploradas e fez importantes achados arqueológicos, tudo anotando para o seu novo livro. Nos seus relatos confessa: «Voltei a entrar no deserto, como se voltasse ao meu sítio; o silêncio e a solidão envolvem-me como um véu impenetrável; não há mais realidade que as longas horas de cavalgada, pela manhã tiritando e pela tarde dormitando…»
Gertrude já era uma respeitada arqueóloga e estudioso do Oriente, quando decidiu atravessar o deserto da Arábia em 1913. Foi um grande desafio numa região isolada e cheia de perigos. Partiu de Damasco, como uma autêntica rainha, com uma caravana de vinte camelos e todo o pessoal necessário. No vasto deserto do Nejd, teve que enfrentar temperaturas extremas, sede, falta de víveres, pragas de pulgas, cobras, escorpiões, salteadores e tribos hostis. Nada a faria desistir o deserto era a sua razão de viver.
Nos seus últimos anos instalou-se em Bagdad e em 1926, esta mulher vital e poderosa, que sempre ocultou as suas frequentes depressões, acabou por se matar. Durante muito tempo os beduínos recordaram esta dama, que os recebia elegantemente vestida na sua tenda coberta de tapetes e lhes oferecia uma chávena de chá, numa bandeja de prata.

FONTE: Moratò, Cristina, «Viajeras Intrepidas y Aventureras» (ed. Plaza y Janés)

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